Figuras cultuadas no nicho rockeiro, Bobby Liebling e Sonny Vincent são forças criativas desde os anos 1970. O primeiro é até hoje frontman do Pentagram (EUA), grupo pioneiro de heavy rock/doom apontado como uma mistura entre Black Sabbath e Blue Cheer. O segundo é um prolífico guitarrista e vocalista que despontou na cena punk de Nova York liderando o Testors, banda embalada pela selvageria sonora do The Stooges e que não devia nada aos pares da época de CBGB, tal qual Dead Boys.

Cada um trilhou seu caminho sem ter conhecimento do outro, ambos à margem dos holofotes mainstream — ainda que com certo reconhecimento tardio de público e de colegas. Até que, em 2019, um amigo mútuo colocou Bobby e Sonny em contato possibilitando uma parceria musical promissora. Batizado como The Limit, o projeto que reúne os veteranos lançou o primeiro álbum em 9 de abril. O debut “Caveman Logic”, em linhas gerais, é rock cru e empolgante, referenciando a urgência das composições de Sonny e o peso pregresso dos trabalhos de Bobby — com linhas vocais menos soturnas, no entanto. 

São ares old school, mas com roupagem contemporânea. O registro inclui ainda Jimmy Recca (ex-The Stooges) no baixo, Hugo Conim na guitarra e João Pedro Ventura na bateria (esses dois últimos, membros do conjunto português Dawnrider). Fabian Dee Damners (UDO), Nils Finkeisen (Die Krupps) e Paul Simmons (Bevis Frond) também estão nos créditos da gravação como convidados especiais. 

Pelo menos três faixas foram disponibilizadas para apreciação antes de o disco ser liberado oficialmente:Kitty Gone’, ‘Black Sea’ e ‘Death of My Soul’ (links no decorrer deste texto). A trinca de músicas já indicava que a pilha dos caras é o rock’n’roll básico, sem invencionismos, porém bem executado e carregado de energia. Uma audição do álbum reforça tal percepção com temas como ‘Over Rover’, ‘Human vs Nature’ (com Sonny no vocal), ‘Fleeting Thoughts’ e ‘Life’s Last Night’.

Difícil não ter curiosidade em ouvir o The Limit considerando-se a trajetória de seus integrantes mais notórios. Bobby chegou a protagonizar um documentário abordando o drama da reabilitação em decorrência dos vícios. O longa “Last Days Here” (2011) — nome que brinca com o título da coletânea “First Daze Here”, que ajudou a dar visibilidade ao Pentagram já neste século — mostra o cantor morando com os pais e reconquistando a própria confiança com a banda tendo inesperada projeção. O Dead Weather (que reúne Jack White e Alisson Mosshart [The Kills]) até tocou “Forever My Queen”, espécie de hit underground do Pentagram, no programa Jimmy Kimmel Live, em 2009.

Já Sonny deu continuidade à sua produção em carreira solo, com o The Dons e outras iniciativas. A discografia do músico inclui parcerias com gente do calibre de Scott Asheton (The Stooges), Cheetah Chrome (Dead Boys), Maureen ‘Moe’ Tucker (Velvet Underground), Bob Stinson (The Replacements) e Captain Sensible (The Damned). Mesmo com trampos honestos e potentes, o cara ainda é talento subestimado entre a massa rockeira. 

Descolamos um papo com Bobby e Sonny via zoom. Na conversa, abordamos possíveis limitações, surgimento do The Limit e tópicos relacionados.

Sonny foi insistente ao pedir que disponibilizássemos os links para aquisição das versões físicas de “Caveman Logic” na Amazon e junto à gravadora finlandesa Svart Records. À época da entrevista transcrita aqui, os itens ainda estavam em pré-venda. “O álbum sai em alguns dias e está quase esgotado. Quero ter certeza de que as pessoas que realmente querem conseguirão uma cópia”, justificou.

Vocês são amigos de longa data? Lembra como se conheceram?

Sonny — Na real, fomos apresentados não faz muito tempo. Foi um amigo em comum que nos aproximou. É um fã do Bobby, com quem ele fez amizade e passou um bom tempo junto ao longo dos anos. Deu acaso que esse cara estava dirigindo para o meu ônibus de turnê em alguma gira que fiz. Ele acabou mostrando meu som para o Bobby. Os dois ouviram minhas músicas em algumas ocasiões que estavam juntos, e esse camarada em comum passou nossos números de telefone um para o outro. Um dia nos ligamos e falamos bastante de música, fizemos algumas piadas e tivemos momentos divertidos. Aí o negócio ficou sério e decidimos criar um álbum juntos. Quando foi isso, Bobby?

Bobby — Acho que por volta de 2019. Foi durante a primavera de 2019 que nos falamos pela primeira vez. 

Sonny — Não foi como os Beatles, por exemplo, que cresceram na mesma cidade e se conheceram bem jovens. Nós, basicamente, meio que nos contatamos e então resolvemos gravar um disco porque tivemos uma boa conexão. 

Não conheciam nem as bandas um do outro até então? 

Bobby — Eu não tinha ouvido Testors até 2015. Não havia escutado nada do Sonny até tal ano, não sabia quem ele era até esse amigo mostrar. Curti aquilo! 

Sonny — O mesmo por aqui, o que não é muito comum. Eu nunca tinha ouvido a música do Pentagram. Provavelmente já tinha visto o nome em algum lugar, mas não era familiar. Em nossas conversas, o Bobby me direcionou ao material mais antigo dele e eu realmente gostei. Quando era moleque eu curtia bastante Blue Cheer e outros nomes pesados, e os primeiros do Pentagram são nessa pegada. Como o Bobby disse, nosso amigo mútuo tocou vários dos meus discos para ele. O Bobby é único e aprecia diferentes tipos de música. Hoje em dia há variados grupos de pessoas, tribos distintas. Fomos entrevistados por um cara que disse: “isso (The Limit) é sensacional, posso imaginar um garoto ouvindo Metallica ou Slayer pela primeira vez”. Só que isso era algo meio da galera de onde ele veio que tinha esse gosto musical. Mas há gente que só gosta de Nick Cave, PJ Harvey ou Lydia Lunch. Então, existem diferentes segmentos, pessoas que curtem determinados estilos de som.

E sobre o nome The Limit, algum significado especial para batizar a banda com ele?

Bobby — Tenho isso na cabeça desde, sei lá, 2015. É algo não muito típico. Então, mantive como um pequeno segredo comigo mesmo até agora. Apenas pensei que era um bom nome, sem nenhuma conotação errada, fácil de lembrar e assim por diante. Como as pessoas são muito críticas hoje em dia, eu e Sonny pensamos que era uma boa. 

E há algum limite para a criatividade no The Limit?

Bobby — Não creio que há limite. O limite é aquilo que você pode aguentar. É meio apropriado que você possa levar adiante o que concebeu, não há outros tipos de limitações. O limite é infinito. 

E quanto aos outros caras, como Jimmy Recca, já conheciam?

Bobby — Conheço Jimmy desde aproximadamente 2015, por meio do mesmo amigo que me apresentou ao Sonny. Pensamos que chamar ele seria uma boa porque é um ótimo baixista e seria adequado para nosso projeto, tanto quanto os dois caras de Portugal. Nunca os conheci, nem mesmo ouvi suas bandas, mas o Sonny já tinha trabalhado com eles em alguns projetos que só envolviam gravações, produzindo algumas coisas, acho.

 

Antes das primeiras composições, vocês tinham uma idealização prévia de que tipo de som queriam fazer? Tipo: “vamos criar algo meio proto-punk com vocais heavy doom”, por exemplo?

Sonny — Não, definitivamente. Não é como trabalhamos. Isso para mim parece mais um reunião de negócios alemã (risos). Não fazemos as coisas assim. Não nos juntamos e falamos: “ok, vamos fazer um álbum 40% punk, 40% heavy rock, 10% extravagante e 10% glam”. Apenas nos reunimos e vemos o que acontece, deixamos a magia fluir. Fico meio surpreso, pois várias pessoas nos perguntam isso. É só minha opinião, mas não acredito que artistas de verdade funcionem assim. Isso é como homens de negócio procedem. Você se senta em uma mesa de reuniões, faz planos…

Bobby — É nossa criação artística e não criamos arte por gráficos. 

Sonny — É uma pergunta válida, mas me surpreende que tanta gente funcione desse jeito. Eu, definitivamente, não. Uma vez almocei com um cara chamado Steve Baise, do The Devil Dogs, de Nova York, porque estava precisando de um baixista. Eu não conhecia o trabalho dele, mas o cara já foi logo dizendo para tocarmos juntos e ver o que rolava. Gosto disso. É um lance mais intuitivo. Com o The Limit, apenas decidimos nos juntar, trabalhar em algumas músicas e ver o que aconteceria. 

Lembra como foi a primeira experiência em estúdio, todos juntos, para fazer um som?

Bobby — Só ensaiamos umas três vezes antes de gravar. Fizemos um show de apresentação com meia dúzia de músicas em Portugal, mas nunca nos conhecemos antes e nem tocamos pessoalmente até o primeiro ensaio. 

Sonny — Passamos por algumas dificuldades, porque Bobby e eu estávamos acostumados a ser meio que os controladores, as pessoas que tomam a maioria das decisões em nossas músicas. Quando falamos por telefone em fazer o álbum, parecia tudo muito natural. Mas, uma vez que nos reunimos, foi como um garoto que vai para a escola todo dia pelo mesmo caminho. Lá estávamos nós, prestes a fazer o que fazemos, e caímos nos mesmos padrões que estávamos acostumados. Nós dois queríamos fazer de um determinado jeito, e levou um tempo para entender como poderíamos funcionar juntos. Mas nós conseguimos fazer isso bem e nos tornamos uma espécie de monstro com duas cabeças. Logo depois, descobrimos que tínhamos tantas opiniões que pareciam diferentes, mas na verdade eram a mesma coisa. Aí tudo ficou mais fácil. Creio que, na real, em um primeiro momento, não estávamos dispostos a ouvir um ao outro. Era só: “quero fazer do meu jeito”. Superamos isso e juntamos forças.

Em linhas gerais, o som do The Limit é rock’n’roll direto. Pensa que o estilo pede mais bandas assim, já que não parece haver muitas desse tipo ganhando espaço?

Sonny — Não somos responsáveis pelos fracotes no mundo (risos).

Bobby — Queremos ser alta energia, queremos ser beligerantes, queremos ter uma atitude e também queremos ser pesados. Mas não há um plano e não me importo com o que outras bandas fazem. 

Sonny — Isso é apenas o que fazemos. É tipo perguntar para o Little Richards (Sonny canta “bop bopa-a-lu a whop bam boo, tutti frutti, oh Rudy”) se ele precisa dos gritos cheios de alma em vez de algo mais falado, como Lou Reed, por exemplo. Apenas fazemos o que fazemos. E descobri que se você faz o que faz, e tenta fazer isso bem, pode dar certo.

Quando o álbum foi gravado? Em 2020 ou ainda em 2019?

Bobby — Foi em 2020. Fizemos o álbum em três sessões de oito horas e mais uma de quatro horas em Portugal. Todas as faixas básicas foram registradas nesse período, ao menos. Logo veio a pandemia e não conseguimos terminar. Voltamos para os EUA, e o Sonny ia retornar para fazer alguns overdubs de guitarra, mixagem e outras tarefas, mas não rolou. Acabamos… Bom, o Sonny fala sobre isso.

Sonny — Como o Bobby disse, gravamos o básico e saiu bem redondo. Aí, todos voltamos para casa e tivemos de nos recuperar. A parte musical foi muito legal, mas toda a logística e como isso se deu foi bem estressante de muitas maneiras. Voltei para minha residência e era para ter retornado a Portugal fazer algumas partes complementares de guitarra e coisas do tipo. Só os toques finais. Mas isso foi quando a pandemia estourou, e eu não pude viajar. Tinha até comprado passagem, mas não adiantou. Eu não sabia como usar computadores para fazer trabalho de estúdio. Agora eu manjo melhor, só que naquele momento eu não tinha experiência. Então pensei que poderia pedir ajuda para alguns amigos que sabem mais do assunto. Transferência de arquivos e outras coisas assim. Lembrei ainda que, quando estávamos em Portugal, vi Bobby com um livro sobre Michael Schenker, tipo uma autobiografia dele com o UFO. O Bobby disse que era um dos seus guitarristas favoritos. Então, quando pensei nos toques extras para finalização do álbum, lembrei de um cara com quem estive em turnê quando morava na Alemanha. Ele toca guitarra e saiu em tour comigo, e o estilo dele é um pouco diferente do que eu estava acostumado. Tivemos de fazer alguns ensaios, mostrei para ele minhas músicas. E ele é um cara muito gente boa que consegue tocar qualquer coisa. O nome dele é Fabian Dee Dammers, do UDO, uma dessas bandas que excursiona bastante, tocou em Moscou e em vários outros lugares do mundo. Mandei os sons para o Dee e ele tocou. Também passei as faixas para outros amigos, como o Paul Simons do The Bevis Frond. Mas primeiro foi para o Dee, que fez umas partes de guitarra especiais, alguns complementos e solos. Mandei esses registros para o Bobby e fiquei muito satisfeito, porque ele disse estar feliz com o resultado. Bobby ouviu as partes do Dee e as mixes que fizemos com isso e se emocionou. Tivemos alguns amigos para fazer truques de mágica no disco. O próximo passo foi mixar com nosso engenheiro Paulo Vieira, com o qual trabalhamos enviando e reenviando material por meses. E depois a masterização, que nos deixou contentes. 

O The Limit é a banda principal de vocês agora?

Sonny — Ambos temos outros compromissos que sempre tivemos. O Bobby ainda tem o Pentagram, eu sigo com meus álbuns solos. Mas, conforme andamos, ficamos mais pilhados com o The Limit. Quando fomos para o estúdio, ouvimos umas mixagens cruas e falamos: “seria irado tocar isso para o público”. Depois, quando escutamos o disco completo, foi “wow, seria mesmo ótimo nos apresentarmos ao vivo”. Aos poucos foi acontecendo. Quando o disco saiu para pré-lançamento, algumas pessoas ouviram e promotores de shows nos chamaram querendo saber se faríamos giras e festivais. Bom, talvez. Precisamos ver como vai ser com a pandemia. Não é nosso projeto principal, mas é algo que é especial para a gente. Como já disse, somos sortudos. Mesmo não nos conhecendo tão bem há muitos anos, a combinação de músicos e a vibe que criamos juntos bateu legal. Isso nos deixou inspirados. 

Quem deu o título “Caveman Logic”? Tem a ver com um livro de mesmo nome cujo subtítulo diz: a persistência do pensamento primitivo no mundo moderno?

Sonny — Não, acho que não sabíamos. Foi uma sugestão do Bobby. Ele que escreveu boa parte das letras e deu o nome de ‘Caveman Logic’ a um dos sons. 

Bobby — Isso meio que brotou na minha cabeça. Essa ideia de manter o pensamento primitivo, as coisas simples e diretas. Sem abordagem nonsense, sem produção exagerada, mas deixando uma sonoridade moderna. Os leads de guitarra… Foi um material bem gravado e bem produzido. Nós só queríamos manter o básico. Meio que um estilo de som congelado no tempo, com sentimento clássico.

Uma pergunta meio filosófica: pensam que estamos agindo como primatas com dispositivos eletrônicos hoje em dia?

Sonny — Pergunta interessante, depende de qual dia. Às vezes penso que a humanidade está condenada, sem esperanças, com baleias nas praias cheias de plástico em seus corpos e brutalidade contra pessoas na sociedade. Mas, em outros dias, vejo algo nobre e bonito, com gentileza, e tenho alguma perspectiva. Para mim, varia bastante: há dias em que me sinto esperançoso, em outros é como um inferno. 

Acreditam que a arte, música no caso, pode trazer algum alívio para tempos como o que vivemos?

Bobby — Definitivamente! É meio que o objetivo pelo qual me tornei um artista performático. Tenho muita satisfação em saber que depois de um show que fiz, ou após ouvir minha música, as pessoas sentem-se um pouco melhores do que antes. Acho que é um grande alívio sim. 

Sonny — É um jeito de as pessoas ouvirem e sentirem algo que é comum com outras. Isso cria um vínculo. Pode parecer só uma música, mas é prazeroso que faça a galera se animar. Algumas vezes é esperançoso, outras nem tanto. Depende de cada um, de o que a pessoa está passando naquele momento. É profundo dentro da experiência de vida de cada ouvinte. Talvez faça com que quem escuta não se sinta tão sozinho.

Vocês poderiam apontar seus temas preferidos de “Caveman Logic” e explicar o porquê das escolhas?

Bobby — Não tenho uma preferida, curto todas. Me agradam ‘Caveman Logic’, ‘Kitty Gone’. Amo ‘These Days’ e ‘Sir Lancelot’. Gosto de algumas guitarras mais pomposas e com sentimento, é a escola de onde vim. Esses sons passam isso para mim.

Sonny — Não tenho nenhum som favorito mesmo. Ao contrário do Bobby, não consigo pensar em exemplos. 

E qual som acreditam que funcionará bem a vivo?

Sonny — Teremos de descobrir.

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