Em setembro de 2024, tive a oportunidade de estar em um dos shows da turnê nacional da Crypta em Belo Horizonte, Minas Gerais. Subiu no palco, abrindo aquela noite, Dirty Grave, um power trio de doom metal que preencheu o ambiente com um som intenso, cheio de psicodelia e que ganhou muito a minha atenção e de todos no local. A ambiência criada pela banda nas primeiras notas, logo foi tomada pelos vocais rasgados, lascivos e agudos da líder e baixista, Melissa Maia.

Sobre Dirty Grave, eu já havia feito uma pesquisa inicial para a notícia do show que pode ser encontrada aqui, mas fui positivamente surpreendida com a performance no palco e a sonoridade. É daquelas bandas em que quando você escuta o ao vivo é igual e até melhor do que em estúdio. Com longos riffs e solos muito bem executados pelo Pedro Barros, sobrepostos por uma bateria muito bem evidente performada por Henrique Lima, que não deixa ninguém parado sem balançar a cabeça ou bater os pés. Ouvimos faixas como “In This Night”, “Slaughter” e “Turn Off My Fears” que te fazem querer sair por aí falando para todo mundo ouvir, e que se tornaram as minhas preferidas da banda, além de outras músicas dos álbuns Evil Desire, Sin After Death e Unconscious Days.

Aqui quero destacar que, sendo mulher, era possível ver sorrisos de apoio e admiração ao ver a Melissa entregar tudo nos vocais e no baixo. Ela não seria a única mulher nos vocais naquela noite que ainda teria Hatefulmurder e Crypta no palco, mas especialmente a Mel levava consigo uma representatividade especial: ser uma mulher trans à frente de uma banda de metal. Assim que o show se encerrou, procurei por ela na casa e pude trocar algumas palavras de admiração e quis logo conhecer mais sobre a sua história, da Dirty Grave e de sua trajetória, aproveitando o espaço da Cultura em Peso para dar a voz a quem pode nos dizer tanto sobre diversidade e respeito no underground.

Melissa, pode me contar primeiramente como e quando surgiu o projeto Dirty Grave?

Melissa Maia: Olá Iza, claro! O projeto nasceu em 2013, perto do final do ano, começou como uma forma de celebrar esse estilo de música.

Quais foram as maiores inspirações musicais para a banda?

Melissa Maia: As maiores inspirações foram a banda Pentagram sem dúvidas, além de Saint Vitus e Black Sabbath.

Sobre os álbuns Evil Desire, Unconscious Days e Sin After Death, como foram os processos de gravação e lançamentos?

Melissa Maia: Foram processos bem simples, como eu ainda morava no interior de São Paulo e não tinha acesso a estúdio profissional eu decidi gravar em casa mesmo usando um notebook simples. Apenas o Sin After Death teve as linhas de bateria e mixagem feitas em estúdio. Os lançamentos aconteceram primeiro no exterior, Bielorrússia, E.U.A. e Reino Unido, com os selos Todestrieb Records, Grimm Distribution, Satanath records e Doom Stew Records. E recentemente tivemos o lançamento do Sin After Death pela Eclipsys Lunarys aqui no Brasil.

Quais foram os maiores desafios até então na cena underground?

Melissa Maia: Espaço pra tocar é sempre um desafio, mas sempre há quem abra espaço para as bandas autorais. E o público que se apresenta dá conta de deixar o clima fervendo, então, independente das dificuldades, tem sido acolhedor e muito vivo tocar.

Qual foi o show mais marcante que vocês já fizeram até então?

Melissa Maia: A abertura para a banda Crypta, no Mister Rock, foi com certeza uma apresentação marcante para a banda. Estava tudo perfeito, foi surreal tocar ali aquele dia.

Dirty Grave no Mister Rock BH
Dirty Grave no Mister Rock BH

Como mulher trans, você sente que há respeito na cena do metal? Pode me dizer a importância da sua representatividade na cena?

Melissa Maia: Há mais respeito ali dentro da cena, no shows, que fora deste espaço com certeza. Onde tenho caminhado neste meio como uma mulher trans eu me senti segura. E há uma importância imensa nesta representatividade, porque são muitas vidas em jogo… As pessoas trans são expulsas de casa, não tem uma empregabilidade fácil devido ao preconceito, uma marginalização extrema. Dentro desta realidade é ótimo estar em cima de um palco tocando músicas autorais, isso diz que nós não devemos nos esconder ou aceitar o que o mundo nos impõe.

Como foi a construção musical da Melissa para além do Dirty Grave?

Melissa Maia: Minha construção musical começou bem cedo, a música sempre chamou minha atenção, primeiro o samba, depois o rap, só depois o rock, quando tinha uns 14 anos uma amigo me deu uma fita k7 que tinha Judas Priest e King Diamond, depois disso conhecer música e me aprofundar nisso se tornou um hábito.

O Dirty Grave está trabalhando em algo novo?

Melissa Maia: Hahaha, sim! Temos um novo álbum todo composto. Estamos nos preparando para gravar em estúdio desta vez, será o primeiro álbum todo gravado em estúdio. Estou muito ansiosa por isso.

Está trabalhando em novos projetos?

Melissa Maia: Sim, no momento o meu outro projeto, Mães Morrendo, está na ativa, fazendo shows e trabalhando as versões ao vivo para as músicas. Também estou estudando algumas misturas que gostaria de adicionar ao som da Mães Morrendo, jogar minha cozinha musical no projeto sem “filtros” do que caberia ou não no rock.

Ouça também o projeto de sludge/grunge Mães Morrendo:

Pode dar um conselho para pessoas trans que queiram entrar no cenário underground no momento e que se sentem inseguras de alguma forma?

Melissa Maia: Vão!!! Vão meus amores!!! Só vão e sejam o que vocês são!!! Isso já é incrível demais e eu apoio e creio em vocês!

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