Entre a fúria e a lucidez: Jay Jaydson fala sobre seu primeiro disco, “Live Fast, Die Old”

Rock, suor e atitude direto de Porto Alegre

Poucos artistas conseguem equilibrar a urgência do punk com a densidade de quem já viveu mais do que gostaria. Jay Jaydson, nome cada vez mais falado na cena independente de Porto Alegre, acaba de lançar seu primeiro álbum solo, Live Fast, Die Old — um disco que é mais confissão do que produto, mais cicatriz do que enfeite.

Entre faixas em inglês e português, guitarras sujas e letras que escancaram o íntimo, Jay constrói um universo próprio: um lugar onde o caos, o afeto, a psicodelia e o rock dividem o mesmo cigarro. É barulho com propósito. É vulnerabilidade com espinhos.

Nessa entrevista, Jay fala sobre o processo de criação do álbum, as influências que o moldaram (e as que ele tentou evitar), os fantasmas que o acompanham e o porquê de ainda acreditar que o rock pode — e deve — incomodar.

 

 

Entrevista

Giovanni Maglia (@gmaglia) entrevista Jaydson (@jay_jaydson) sobre o novo album e sobre o seu processo de criação

@gmaglia:
O título do álbum carrega uma contradição provocativa. Em que momento da tua trajetória ele passou a fazer sentido como conceito e não só como provocação?
@jay_jaydson:
O conceito sempre esteve ali. Nosso primeiro single foi a música “I Don’t Wanna Die Young”, ela que trouxe o conceito. Em algum momento o Homero (amigo, assessor e social media) comentou sobre o lema “Live Fast Die Young” e de que como a música “I Don’t Wanna Die Young” ia na contramão disso, e sugeriu um nova lema “Live Fast, Die Old”, já na música eu grito “Eu quero morrer velho”.
Gostei tanto disso que acabou virando nome do disco e fiz uma música que basicamente só fico gritando o lema repaginado de acordo com o conceito do disco e de certa forma com minha visão de mundo mesmo.

@gmaglia:

Como tu entende o envelhecimento dentro do universo do punk e do metal, onde muitas vezes se cultua a juventude como sinônimo de autenticidade?

@jay_jaydson:
Estou lidando com isso, não digo que da melhor maneira, mas estou lidando.
Acabei de fazer 40 anos e minha vida como músico é recente. Então estou vivendo uma mistura de viver o que não vivi na juventude mas já mais velho. Acabo trazendo um pouco da inconsequência da juventude com a maturidade dos 40.
Eu não sei como seguirei daqui pra frente, querendo ou não, o meio musical é complexo. É preciso ter muita paixão e com a idade que tenho, são mil coisas a se priorizar.

Estou aproveitando o momento e dando tudo que consigo em termos de autenticidade e criatividade. Em teoria, a idade não importa, mesmo que na prática saibamos que importa sim, de alguma maneira ou outra.

@gmaglia:
“Live Fast, Die Old” parece carregar uma crítica velada ao culto da autodestruição. Esse disco é também uma tentativa de reescrever o papel do artista na cena?
@jay_jaydson:
De certa forma sim. Mas também não sou hipócrita. O culto da autodestruição está aí e é acaba sendo uma tentação. Depende muito da vivencia da pessoa, imagino eu.
Não estou querendo pregar nada e nem mesmo eu sou adepto do que canto em muitos momentos. A vida é complexa e todos temos nossas questões e demônios.
Por mais que eu grite “Live Fast, Die Old”, não estou querendo cagar regra de que assim deveria ser. É um mais um grito de um certo auto conhecimento e de uma filosofia barata contrária, que queria que Kurt Cobain ainda estivesse aqui.
Aliás, tudo isso nasceu justamente quando a frase “Eu quero morrer velho, don’t wanna be Cobain” me veio na cabeça.
@gmaglia:
Tem uma faixa que tu sente que te expôs mais do que o planejado?
@jay_jaydson:
Sim. Creio que em várias. Mas é aquilo, a música tá ali para ser interpretada. Muita gente ouve e encontra outros significados. Acho isso interessante.
Mas de fato, em algumas músicas eu deixo claro muito do que penso e do que vivo e isso pode trazer uma exposição. Mas estamos no jogo, então tudo bem.
 

@gmaglia:

Muito se fala sobre influências musicais, mas quais foram os acontecimentos pessoais ou históricos que mais moldaram esse álbum?
@jay_jaydson:
Pandemia, término de uma relação longa, momento político no Brasil e no mundo.
Acho que esses são os principais eventos que me fizeram chegar onde cheguei com esse álbum.
Só agora vejo o quanto a pandemia afetou minha cabeça. Foi horrível. Por mais que tenha sido um bom gatilho para eu começar a me organizar com a música, foi um processo traumático com danos que estão aí até hoje.
O término de uma relação longa também me afetou mais do que eu imaginei e ainda refletem no meu dia a dia. Isso está muito presente no álbum.
O momento político no Brasil e no mundo é fonte inesgotável. Tenho dito que estamos em um ótimo momento para o Rock, justamente por conta disso. É um momento de se posicionar e colocar o dedo na ferida.
@gmaglia:
Como foi lidar com a pressão (interna ou externa) de lançar um primeiro álbum com identidade forte em uma cena tão cheia de vozes?
@jay_jaydson:
Acho que estou lidando bem. Ainda estou no momento de euforia. Tudo é novo, então acho que isso ajuda.
A cena de Porto Alegre e RS é incrível. Eu navego em todas as vertentes, então acho que isso também favorece.
 
@gmaglia:
Tu enxerga o disco como uma obra fechada ou como um capítulo de algo que ainda está se desenhando?
 
@jay_jaydson:
Acho que as duas coisas. Vejo com um trabalho concluído, com um baita esforço para conseguir de fato chegar ao final. Foi muito trampo. Então é bom chegar agora após o lançamento e pensar que chegou ao fim.
Por outro lado, também enxergo como apenas o primeiro trabalho.
Já estou com muitas músicas novas semi prontas e iniciando o processo de produção do próximo álbum. Então podemos dizer que “Live Fast, Die Old” é um primeiro capítulo de algo maior.
 
@gmaglia:
O que significa ser autêntico hoje em uma era em que tudo vira conteúdo?
 
@jay_jaydson:
É justamente achar o tom e o equilíbrio. Não considero o que faço na música como conteúdo. Ao mesmo tempo não ignoro que o mundo atual funciona em cima de conteúdo infinito e engajamento.
A questão é que eu não faço música pelo conteúdo ou pensando em quem vai ouvir. Faço música pela música. Pelo que gosto, pelo que estou vivendo, pelo que quero expressar.
Ao mesmo tempo é óbvio que quero que as pessoas ouçam o que eu fiz. E como fazer isso? Existem muitas maneiras, uma delas é atrelar algum tipo de conteúdo para atrair uma audiência a se interessar pelo teu som.
 
@gmaglia:
Teu som tem raiva, mas também tem reflexão. Como tu equilibra esses dois impulsos na hora de compor?
 
@jay_jaydson:
É uma coisa meio natural pra mim. Ás vezes a inspiração vem da raiva mesmo. Mas depois, lapidando o que fiz, acaba indo para um lado mais reflexivo ou filosófico.
É um processo que gosto muito. Também tem casos onde nasce com raiva e segue assim ou já nasce com uma reflexão.
 

@gmaglia:

Existe alguma ideia ou crença que tu tinha no início do processo e que foi completamente destruída ao longo da criação do disco?
 
@jay_jaydson:
Muitas. Eu queria músicos contratados para gravar e depois iria pensar em músicos para shows. Acabou que montei uma banda, pois as pessoas que vieram gravar se tornaram amigos e gostaram tanto do trabalho, que assim ficou.
Eu sabia que o processo todo não seria fácil. Ao menos, sei que não seria fácil do jeito que eu queria fazer. Eu já tinha muito em mente o resultado final que gostaria.
Mas o processo foi ainda mais complexo. Ainda mais porque eu sou o meu produtor executivo e produtor fonográfico. Com isso, acabei assumindo muito mais coisas.
Mas faz parte do processo e foi muito bom para minha carreira, pois hoje eu sei o todo o fluxo de ponta e ponta e consigo tomar melhores decisões.
 
@gmaglia:
O disco tem um senso de urgência. Tu sente que ele é uma resposta ao tempo que a gente vive ou algo que já vinha sendo maturado há anos?
@jay_jaydson:
Um pouco já vinha sendo maturado, mas como acabei compondo muito durante o processo de gravação, isso acabou refletindo no resultado final.

@gmaglia:
Alguma faixa do disco nasceu de um processo que tu considera quase terapêutico ou transformador?
@jay_jaydson:
Sim. A última faixa, “Misery”, é uma música difícil. Fiz a composição em um momento não muito legal de pensamentos. Mas ao mesmo tempo ela serviu para organizar as ideias e hoje enxergo ela muito maior e mais profunda do que quando compus.
Algumas músicas que abordam relacionamentos também. São músicas que nasceram de algum tipo de angústia e que hoje podem ser consideradas terapêuticas sim, ao menos pra mim.
 
@gmaglia:
Como tu lida com a possibilidade de que esse álbum seja interpretado de formas totalmente diferentes do que tu imaginou?
 
@jay_jaydson:
Lido bem com isso. Na verdade eu acho fascinante. Saber que uma peça artística minha esta sendo interpretada de maneiras diversas, é bem gratificante.
Claro, tem casos e casos. Em “Camisa Amarela”, me dá uma dor em ver que algumas pessoas não entendem que a música é irônica. Mas faz parte, era algo que sabia desde o momento que compus.
 
@gmaglia:
Existe alguma crítica que tu espera receber — mesmo sabendo que ela virá de gente que não entendeu o disco?
 
@jay_jaydson:
O trabalho está na rua, tá no mundo. Certamente receberei críticas e estou preparado para isso. Não é que eu não ligue para crítica, mas estou em uma fase de vida onde consigo levar em consideração o que faz sentido e simplesmente ignorar o que não faz.
Até o momento o que recebi foi muito positivo. Nossa dedicação e cuidado com esse álbum reflete nisso.
Outros tipos de críticas como “faltou um solo aqui, faltou um verso ali” eu simplesmente ignoro, porque sinceramente, a música é minha e eu faço como quiser. Tudo que está ali está como deveria estar e foi pensado para estar como estar. Se não agradar alguém, não tenho muito o que fazer.
 

@gmaglia:

Na tua visão, qual é o papel do artista dentro de uma cena local: ser espelho, ser ruptura ou ser memória?
 
@jay_jaydson:
Acho que cada artista acaba escolhendo algum papel dado alguma motivação.
Do meu ponto de vista quero ser um artista reconhecido por fazer um trabalho que de alguma maneira se conecte com as pessoas da cena. Do mesmo jeito enxergo como meu papel me conectar com a cena, fazer parte de verdade. Escutar artistas da cena, ir a shows, comprar ingresso, comprar camiseta, trocar ideia, entender os anseios dos artistas que estão na minha volta.
Ser ruptura é interessante, é algo que sim me agrada, mas em certos níveis. Acho que o mais posso contribuir é em conseguir apresentar um trabalho que fiz e que pode ser feito por todo mundo também. Talvez a ruptura no sentido de quebrar barreiras mesmo. Fugir do status quo.
Me chateia quem está na cena e só reclama da própria cena ou diz que não existe cena ou diz que só existe panelinha na cena. Isso pra mim parece discussão de colégio.
 
@gmaglia:
Alguns artistas fazem discos para resistir. Outros, para curar. Tu colocaria o teu onde?
@jay_jaydson:
Meu primeiro objetivo era tornar realidade um sonho antigo. Queria gravar, queria ter músicas minhas pra ouvir e compartilhar. Então de certa forma dá pra se dizer que é um processo de cura, visto minha frustração em não ter feito isso antes. Ao mesmo tempo também é resistência, pois fazer um disco não é algo simples.  

@gmaglia:
O que tu aprendeu sobre ti mesmo no processo de gravação que nunca teria descoberto apenas tocando ao vivo?
@jay_jaydson:
O que eu pude perceber durante o processo de gravação é de que eu poderia sim ter feito isso há muito tempo. Percebi uma certa limitação imposta por mim mesmo ao longo dos anos que me impediram de fazer uma coisa que queria muito.
 
@gmaglia:
Se tu pudesse garantir que uma única mensagem do álbum sobrevivesse daqui a 30 anos, qual seria?
@jay_jaydson:
Dá pra viver intensamente e seguir vivo. Dá pra se cuidar e também zoar. Dá pra sair de casa, fazer festa, beber e depois ficar de boas.
Da pra viver rápido e morrer velho.
 
@gmaglia:
Quais silêncios tu ainda pretende quebrar nos próximos trabalhos?
@jay_jaydson:
O máximo que eu conseguir e tiver inspiração pra conseguir transformar em música.
 

@gmaglia:

Se o Jay Jaydson de 10 anos atrás ouvisse esse disco, o que ele pensaria? E o que tu gostaria que ele entendesse?
 
@jay_jaydson:
O Jaydson de 10 anos atrás ouviria e diria “Puta que pariu!”.
Em uma década mudamos muito. Ao menos, deveria ser assim. Eu há 10 anos atrás era outra pessoa. A essência está ali, mas completamente diferente. Eu acho isso bom.
Musicalmente o Jaydson do passado adoraria “Live Fast, Die Old”. Afinal de contas, fiz o disco que eu queria ouvir.
Não sei se ele entenderia tudo que está dito, até porque muita coisa o Jaydson só percebeu agora mesmo. Acho que o Jaydson do passado era mais inocente.
agradeço ao Jaydson, pelo tempo dedicado a essa entrevista
Giovanni Maglia @gmalia
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