Quando se fala em heavy metal e rock pesado, o imaginário do senso comum já remete à bateria na velocidade da luz, palhetadas estridentes e super rápidas. Aqui, a pegada é outra: bebendo direto da fonte (ave Tony Iommi e companhia). O quarteto de Fortaleza/CE, formado em 2016, trabalha com a lentidão, as frequências baixas e uma certa dose de melancolia e psicodelia misturadas, trazendo o que há de melhor que o stoner rock pode fazer, agradando gregos e troianos, alternando suas canções ora com o vocal pesado e gutural de Mário (guitarra e voz), ora com o vocal limpo e setentista de Anastácio (guitarra e voz).
Os caras mantêm-se ativos e produtivos desde o lançamento do primeiro material (Vol. 1, 2017). Desde então, a banda não parou, culminando com o lançamento do último material (Dopefiend, 2021 – com lançamento em vinil). Recentemente, o quarteto cearense fez uma série de shows pelo sul/sudeste e eles vão ter a oportunidade de falar um pouco sobre a experiência aqui.
Primeiramente, é um prazer bater um papo com vocês aqui. É minha primeira matéria e entrevista no Cultura em Peso, o que torna essa entrevista ainda mais especial para mim. Para começar, gostaria que falassem um pouco da história da banda, desde o início até a atual formação.
R: A forma mais fácil de resumir é que éramos adolescentes que haviam acabado de sair da escola quando descobrimos este negócio de música arrastada, em meados de 2014. O Mário, Gabriel (antigo batera da banda), João Felipe e o Samuel (antigo baixista) de um lado e Anastácio, Jonatas e André de outro. O Gabriel era o “elo perdido” entre os dois grupos. Eventualmente, nos conhecemos através dele e começamos a ensaiar. A primeira formação da Void Tripper era com o João no vocal, Mário na guitarra, Anastácio na bateria e o Jonatas no baixo, mas essa formação não durou muito e por um tempo a formação foi meio flexível devido a vida de cada um. Na época, o Jonatas cursava faculdade em outro estado. Por um período fomos um trio (Mário, Anastácio e Gabriel), até que convidamos o Samuel para tocar baixo. Essa formação durou até 2019 quando o Samuel passou no curso que queria, e ocorreu de o Jonatas voltar pra Fortaleza, e consequentemente voltar pra banda. Essa formação foi a que gravou o Dopefiend, nosso primeiro full. Em 2022, o Gabriel optou por sair da banda e tínhamos como amigo Kevin, que também é um grande baterista. Víamos ele tocando com as bandas na noite e a gente ficava deslumbrado com a habilidade do bicho. Quando o Gabriel saiu, sabíamos que o Kevin seria a escolha perfeita, tanto pela amizade como pelas referências. E essa é a formação atual da banda.
Quanto às influências, é impossível não notar a presença dos precursores do estilo como, Black Sabbath e Pentagram – inclusive, são artefatos obrigatórios para qualquer apreciador de stoner rock – no caso da primeira, a influência é notada já na parte gráfica dos lançamentos da banda. Mas, indo além do “mais do mesmo”, quais bandas mais novas ou contemporâneas vocês têm curtido e que, de certa forma, podem ter moldado o som da banda?
Saindo do “clichê” do Electric Wizard e Sleep, que são influências para maioria das bandas do gênero, com toda certeza, a principal banda que nos influencia até hoje é a Cocaine Cobras, que infelizmente, não está mais na ativa, mas foi o ponto crucial para a gente “criar coragem” de tocar esse som em Fortaleza. E, através da Cocaine, fomos conhecendo outras bandas brasileiras incríveis: Black Witch, Necro, Witching Altar, Projeto Trator, Muñoz e muitas outras. É banda foda demais pra contar. Saindo do eixo nacional, diria que as principais influências contemporâneas são o Dopethrone e o Church of Misery, fora as clássicas do sludge como: Weedeater, Crowbar e Eyehategod, especialmente pro estilo vocal do Mário.
A cena musical de Fortaleza tem sido favorável para o stoner/doom? Contem um pouco como é por lá e pelo Nordeste?
A grosso modo, por muito tempo Cocaine Cobras foi a pioneira e única banda do estilo em Fortaleza, e faziam isso com maestria. Era uma banda muito querida na cena. Quando a gente começou o Void, chegamos a fazer uns bons shows juntos da Cocaine antes deles encerrarem as atividades. Daí por um tempo praticamente, ficou apenas a gente “representando” o Stoner/Doom, mas de uns 2 anos pra cá, tem surgindo uma “nova leva” de bandas de amigos que curtimos demais, em especial o Solipso (contando com o Rafael da Cocaine e o João nosso primeiro vocal) e o Sulfur Haze, que entre os membros está o Jardel guitarra da Damn Youth, que de passagem, é uma banda que gostamos demais e nos deram muito apoio. Fora do lance Stoner, Fortaleza tem bandas fodas demais que tivemos o prazer de dividir o palco como a Carcará, Damn Youth, Echoes of Death, Facada, Caixão e outras mais.
Desde o primeiro lançamento, “Vol. 1” de 2017, e apesar das mudanças de formação, vocês se mantêm com uma característica musical coesa, com Mário e Anastácio alternando os vocais e mantendo a atmosfera psicodélica e pesada. Isso nos dá a impressão de uma evolução natural e orgânica de material após material. Como é o processo criativo da banda? Gostaria que vocês citassem quais as diferenças notáveis de álbum após álbum.
O curioso da nossa evolução musical é que ela literalmente acompanhou a nossa evolução como gente mesmo. Quando gravamos o Vol.1, éramos ainda moleques de 20 anos, então a diferença especialmente nos vocais é gigantesca. Fomos testando o que dava certo e o que não dava até que Mário e Anastácio acharam o ponto chave pra gravar o Dopefiend. O Mário geralmente é o principal “idealizador” das composições e das letras, mas a gente sempre se reúne em ensaio e tenta cada um adicionar as suas influências, então no papel a gente sempre põe todos como autores igualmente. Algumas músicas como “Devil’s Reject”, “Burning Woods” e “Bastard Smoker”, o Mário meio que já trouxe prontas e a gente só pensou numa bateria e ensaiou, outras como “Black Roots Rising” e “Go My Way” a gente tirou em ensaio juntando um riff do Anastácio com um do Mário que estavam soltos.
Vocês acabaram de voltar de uma turnê pelo sul/sudeste. Contem para a gente como foi essa experiência?
Sem dúvidas foi o nosso ponto alto com a banda até agora. O Matheus Jacques da Bruxa Verde foi crucial pra esses shows darem certo, então não podemos deixar de mandar os agradecimentos pra ele. Foi uma experiência do caralho e foi nossa primeira turnê. Já havíamos tocamos em algumas cidades próximas de Fortaleza antes, mas nunca tocamos por vários dias seguidos nem tivemos que conviver por vários dias. Diria que o principal dessa turnê foi pra fortalecer nossa amizade. Nós 4 nos damos muito bem e mesmo nos perrengues conseguimos resolver tudo juntos e sem treta. Depois do eixo sul/sudeste nós voltamos pro nordeste e, com ajuda de Carlota, tocamos uma semana em algumas cidades por lá, então na realidade foram duas semanas convivendo e tocando quase todos os dias. Era um objetivo que a gente tinha como banda já fazia um bom tempo, o problema é que ficamos viciados nisso e agora já estamos planejando a próxima.
Por fim, agradeço a disponibilidade. O espaço está aberto para vocês!
Gostaríamos de agradecer demais a todos que nos ajudaram MUITO durante essa nossa caminhada. Agradecemos à todos os amigos, bandas e pessoas que conhecemos durante esse tempo. Agradecemos à amizade que nós temos como banda e também somos gratos a você, Igor, por nos dar esta oportunidade de estarmos aqui falando um pouco sobre nossa história.
Grande abraço.
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Saiba mais sobre a banda, acesse o link: https://linktr.ee/voidtripperdoom?fbclid=IwAR066eoWI2hczTAl2-vG8xSux_cefz_6nGLZI1565DWX3LsmGbP54CBNXU0
Mário Fonteles – Guitarra e Vocal
Anastácio Júnior – Guitarra e Vocal
Kevin – Bateria
Jonatas Monte – Baixo