Gasolines: 30 anos de Exótica Surf Instrumental

Completando 30 anos de trajetória neste ano, a banda Os Gasolines sempre esteve presente no cenário independente, percorrendo o Brasil e participando de festas e eventos underground. Eles levam consigo um caldeirão musical diversificado, com um repertório vasto que abrange gêneros como música latina, música oriental, jazz, garageira e, é claro, surf music. A banda é reconhecida como um dos grandes nomes do rock instrumental brasileiro. Conversei com Alexandre Kanashiro, fundador da banda,  sobre o início, suas influências e as novidades da banda.

Fale como foram os primeiros passos da banda e também sobre a história por trás da escolha do nome Gasolines. Como esse nome ilustra a jornada da banda em busca de novas sonoridades e sua identidade musical?

Cartaz do show da banda japonesa Guitar Wolf que influenciou Kanashiro a montar Os Gasolines

A ideia surgiu em uma viagem que fiz com o meu amigo Gustavo Arruda, entre o México e o sul dos EUA, em 1993. Quando estávamos em Memphis, entramos em um antiquário. Nesse lugar, vi uma guitarra Harmony Rocket e um cartaz que me chamou a atenção anunciando o show de uma banda “Japan’s wildest rockabilly trio”, que aconteceria em algumas horas. Fomos, então, ao Antenna Club, local do show, conferir o grupo, que era o Guitar Wolf. Foi simplesmente incrível! Eles abriram com “Ace of Spades”, do Link Wray. Naquele momento, decidi que iria aprender a tocar guitarra! No dia seguinte, voltei ao antiquário e levei a Harmony Rocket. O nome Gasolines veio naturalmente, afinal, a ideia da banda nasceu na estrada, e a música seria o combustível para essa viagem.

 

 

1994, segundo show com Gustavo Arruda, primera formação.

A primeira demo-tape, Wild and Primitive, é um item raríssimo de se achar. Há alguma previsão para relançamento? Eu mesmo tenho muita curiosidade de ouvir [risos].

Demo em formato k7 “Wild and Primitive”

Vixe, é rara mesmo essa fita k7. Tinha algumas músicas com vocal [risos]. A minha se foi com o incêndio. Vou ver se encontro alguém que tenha, para digitalizá-la. Inclusive, se alguém tiver essa fita, entre em contato com a gente pelo nosso Instagram, @osgasolines.

As mudanças de formação fazem parte da vida de qualquer banda. Os Gasolines já passaram por vários formatos. Agora, a banda se estabilizou como um trio. Como tem sido atuar nesse formato e como isso influenciou no último lançamento da banda, o split com o Colt Cobra?

Os Gasolines quase sempre foram um quarteto, chegamos até a ser um quinteto. Agora estamos como trio, e está uma formação bem bacana, com um ótimo entrosamento, o que facilita tudo. A princípio, o split era para ser um compacto. Gravamos quatro músicas, mas, durante a pandemia, mudaram-se os planos, pois precisávamos de mais canções. Usamos, então, duas que não haviam sido aproveitadas na época de quinteto e gravamos uma nova, a “Okinawana”, só eu e o Carlos [baixista], pois o Gregor [baterista] não estava com a gente naquele momento. A bateria foi gravada pelo Luís Tissot e pelo Fernando Hitman [ambos integrantes do Thee Dirty Rats]. O Fernando veio no dia da gravação para nos ajudar, e isso sem nunca ter ouvido a música [risos]. Gostamos muito do resultado. Com ele pronto, fizemos shows bem bacanas com o Colt Cobra, tanto aqui em São Paulo quanto em Vitória/ES e em Buenos Aires/AR.

Gasolines em Vila Velha-ES. Foto: João Neto

Como você enxerga a cena de rock instrumental? Acredita que há espaço para esse formato? O que é preciso fazer para melhorar?

1994, primeiro show em local público. Kanashiro se inspirou na descrição do Antenna Club ao fazer o cartaz.

Acho que há espaço para todo o tipo de som, inclusive o instrumental. No geral, é uma questão de organizar eventos, festas, entrar em contato com produtores e espaços. Além disso, tem até uns eventos de som instrumental experimental rolando bastante pela cidade.

Sabemos da riqueza de influências que os Gasolines têm, que vai desde o garage rock, até o jazz, a música latina, o oriental etc. Mas o que vocês têm ouvido ultimamente? Alguma banda nova que tenha despertado o interesse?

Durante a pandemia, entrei numa viagem no tempo e cheguei até o início das gravações em 78 rpm. Nisso, acabei descobrindo músicas bem curiosas, como “A risada”, de Edmundo André, de 1906, e o sensacional Lamartine Babo, com a sua engraçada “Canção pra inglês ver”, de 1931. Esta última, com sua letra surrealista, tira uma onda da americanização que começava a tomar conta do Brasil. Agora, dos nacionais atuais, temos ouvido muitas coisas bacanas. Só para citar algumas: The Edwoods, Otis Trio, Giallos, Jenni Sex, Fuzzuês, Dharma Samu e Thee Dirty Rats.

Gasolines em Mar del Plata, Argentina. Foto: Pirulo

Fale um pouco do processo de produção dos clássicos Tanger Hotel e Pura Veneta e o que mudou em relação aos trabalhos mais recentes, como o Jungle Surfers.

Tanger Hotel, álbum de 2003

Nossa, o Tanger Hotel! Faz tanto tempo que nem lembro [risos]. Mas, basicamente, os processos foram os mesmos. Sempre tirávamos uma tarde e gravávamos ao vivo. Depois, acrescentávamos as percussões e as participações especiais. O Pura Veneta que teve um lance diferente. Nessa época, montei uma banda em São Luis do Maranhão para tocar as músicas dos Gasolines, e conheci um músico local, Roberto Ricci, que tocava nas festas do Bumba Meu Boi. Deficiente visual, autodidata, espirituoso e com uma musicalidade incrível, ele faz as cordas do violão soarem como as percussões do pandeirão e da matraca. Pirei no som, e pensei numa maneira de ele participar do disco dos Gasolines. Montei, então, um arranjo simples em cima de uma música dele e consegui 1 hora em um estúdio. Gravamos a guitarra, o baixo e a bateria no segundo take, e passamos a bola para o Roberto Ricci, que solou em cima e ainda fez as geniais percussões no violão. Quando terminou, ele falou: “Ainda tem 15 minutos”, e tinha mesmo [risos]! Isso é que é ter noção de tempo e um ouvido máster. E assim nasceu a música “Pura Tiquira”. A banda que eu montei lá se chamava Los Jungle Surfers, que viria a ser o nome do álbum seguinte.

Los Jungle Surfers

Infelizmente, um incêndio atingiu seu apartamento, um episódio bem triste. Além das perdas materiais, guitarras, dois gatinhos faleceram. Com o apoio de amigos, vários eventos foram criados em prol de minimizar os efeitos dessa tragédia. Como tem sido esses eventos e como é possível ajudar?

Foi um baque gigantesco, mas, como você disse, graças aos amigos e à ajuda de muitos que nem conhecíamos, tivemos um grande suporte. Recebi várias mensagens de doações de roupas e utensílios para casa. E, para minha surpresa, ganhei duas guitarras: uma Yamaha Katana, do Rodrigo 90, dos Cochabambas, e que já estou usando, e uma Gretsch Synchromatic, do Bjørn, do Robotron. Esta última, neste momento, está com o luthier Raony, instalando um tremolo bigsby. Sou muito grato à ajuda de cada um que nos deu força, o que fez tudo ter sentido novamente, não deixando a música parar.

Os eventos foram muito emocionantes. Como o Surf Solidário, organizado pelo Rodrigo Veri, do Gaz Burning, junto com as bandas Os Brutus, Sangue de Androide e Ted Boys Marinos, com a Isa, da loja Aloha Cafe Surf, e com a Cris Yumi, da Yumi-Yumi Goodies; o Fenix Fest, organizado pela DJ Nat Jako, na Cervejaria Tarantino; e o We Are The Kanashiro, organizado pelo Claudio Cox, no 74 Club. Não posso deixar de agradecer ao Ronaldo, da banda Güettoh, por me emprestar sua guitarra, que estou usando até agora e usarei, também, na gravação, e ao Mocotó, que, por intermédio da Reverb Brasil, organizou a coletânea Kaifuku, para nos ajudar, com 60 bandas nacionais de surf music [https://osgasolines.bandcamp.com/album/kaifuku], além de cuidar do nosso gato sobrevivente, enquanto estávamos sem casa. Sou muito grato, também, ao Rafa e à Paulinha, que acolheram a mim e à minha esposa durante semanas na casa deles. Mais uma vez, aproveito para agradecer a cada um, anônimo ou não, e a todas as bandas que nos ajudaram de alguma forma. Viva a música independente e os que acreditam nela e a apoiam!

Quais os próximos passos da banda? Afinal são 30 anos. Vocês estão preparando algo especial?

Gravaremos, por esses dias, as músicas novas pós-pandemia, e será preparado com muito carinho, com o tradicional tempero tropical Gasolineiro aditivado com especiarias exóticas [risos]

Gasolines em ação Fotos: Fabiano Mendes

Gasolines:

Alexandre Kanashiro – guitarra
Carlos Costa – baixo
Gregor Izidro – bateria

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