A noite de jogos no Foro Independencia tinha tudo para ser lendária, mas terminou com uma mistura de técnicas frustrantes e grandes bandas lutando contra uma assistência desastrosa. Guadalajara é uma cidade curiosa: os tapatíos amam seus artistas locais, mas a cena continua sendo tão hermética que parece ter problemas para sair mais além de sua própria delimitação geográfica.

Este evento foi um exemplo claro de como às vezes são mais os boletos regalados que o assistente público, um fenômeno depressivo se tomamos conta que em outras ocasiões, algumas dessas bandas mesmas que se apresentaram e han logrado ler recintos com shows individuais. Mas à magia de um festival, ou neste caso, a uma pré-festa, às vezes ele causa grandes expectativas.

O Foro Independencia nunca foi conhecido pela sua boa acústica ou iluminação, mas naquela noite estava particularmente pobre. Dava para perceber a frustração dos músicos, que apesar de tudo, deram tudo de si por um público que não ocupava nem metade do local. As falhas de áudio eram o vilão não convidado para a festa.

Mas vamos ao que importa, os artistas:

A primeira banda a subir foi Tresseises, grupo local. Décadas atrás, bandas de metal com conotações humorísticas foram rejeitadas pelos puristas do gênero. Hoje, porém, exemplos como Nanowar ou Batmetal ajudaram a dar espaço a propostas como Tresseises. Ouvir guturais acompanhando letras que falam sobre carros de luxo, festas rave e sodomização por alienígenas, tudo com uma gíria que parece tirada de uma comunidade de merda, é algo que não tem preço.

Abriram a noite com “La Gente Bonita”, cover em espanhol da famosa música de Marilyn Manson, mas com adição de sintetizadores de cumbia. As vibrações transmitidas pela música de Tresseises são tão surreais quanto a premissa de um episódio de Beavis & Butthead.

Os próximos da lista foram Atrox, outra banda de Guadalajara, neste caso thrash metal e cuja essência permanece purista ao som clássico do gênero. Sem muito a embelezar, mas também nada a criticar, a sua é uma homenagem a esse thrash cru e direto. Eles fizeram o que queriam e foram embora.

Então veio Huri Hau, uma banda cinematográfica de prog metal da Cidade do México, com a única vocalista feminina da noite. E embora tivessem tudo a destacar, foram, sem dúvida, o conjunto mais fraco. As camisetas que vendiam na mesa de produtos eram muito bacanas, a ponto de chamarem mais atenção do que a música, que, infelizmente, não conseguiu conectar. O México tem vozes femininas incríveis no metal, mas falta-lhes aquela atitude de vocalista que os faz realmente dominar o palco.

Fecharam o set com uma versão metal de “Por Ti” de Belanova. E por mais que eu ame Belanova, a situação me fez estremecer.

Pressive sempre foram uma banda em constante transformação, e esta noite não foi exceção, com a sua enésima mudança de formação. Mas se algo se destacou na apresentação deles foi que o áudio não ficou do lado deles, de todas as bandas, foram eles que tiveram o pior momento com backline e PA ruins. Charly, o vocalista, cantou praticamente todo o set sem microfone, e os sintetizadores, parte fundamental de seu som, ficaram inaudíveis. Apesar de tudo, demonstraram profissionalismo e seguiram em frente, apesar das adversidades técnicas.

O som de Tanus é como se Korn e Skrillex tivessem um filho bastardo. Esses veteranos do nu metal e do metalstep trouxeram de volta aquele som caótico que os tornou favoritos na cidade desde a participação naquele Force Fest em 2016.

Com uma formação renovada, mas mantendo aquela essência pesada e eletrônica, eles nos lembraram porque são uma das bandas mais queridas de Guadalajara. Apesar do baixo comparecimento, eles entregaram o melhor do set.

Quando chegou a hora de DREAD, os puristas mais velhos, que os viam apenas como um interlúdio, afastaram-se para tomar uma pausa ou tomar uma cerveja, mas o público mais jovem, alguns dos quais estavam no seu primeiro concerto, foi para o moshpit. Esta banda nasceu da comunidade Nu Posting no Facebook, onde puderam explorar o humor e a nostalgia do nu metal. Apesar de nem ter idade para votar, esse quinteto de adolescentes cresceu exponencialmente, alcançando 20 mil seguidores no Instagram e abrindo para bandas como Resorte, Los Viejos, S7N, Lng/Sht e Blnko.

DREAD nos lembra aquele nu metal primitivo, cru e irreverente do final dos anos 90. Quando os vi ao vivo, até eu, aos 27 anos, me vi novamente como um adolescente de 13 anos, me imaginando assistindo aqueles primeiros shows do Korn. quando eles ainda estavam no subsolo. DREAD é o que o rock precisa: bandas com as quais as novas gerações possam se identificar e chamar de “deles”.

Por fim, foi a vez da banda estrela: Strike Master, por quem tenho tido um amor e ódio constante nos últimos anos. Por um lado, não se pode negar o seu lugar como a melhor banda mexicana de thrash metal, mas, por outro, as suas constantes polêmicas – algumas intencionais, outras acidentais – provocam-me sentimentos contraditórios. Seu relacionamento com certos promotores fraudulentos e seus porta-vozes é o que mais me causou essa percepção.

Apesar disso, ele esperava que o público aumentasse em seu set, mas não. A realidade continuou a mesma: o mesmo pequeno público desde o início da noite. E isso me fez pensar, novamente, no paradoxo da cena de Guadalajara: como é possível que Strike Master e outras bandas vendam mais ingressos em shows solo do que em eventos coletivos? Não faz sentido, mas havia a prova.

O que não se pode negar é que, com ou sem polêmica, Strike Master deu um show sólido. Seus riffs ressoaram fortemente e deixaram o público satisfeito. Como sempre, quando as guitarras ligam, os problemas desaparecem.

O Tattoo Music Fest já teve duas edições de sucesso em nosso país, e é fato que o que será visto em novembro será algo muito melhor do que aconteceu na noite de quinta-feira. No entanto, se pretendem organizar mais pré-festas no futuro, terão de trabalhar na melhoria de vários aspectos. Afinal, o objetivo desses eventos é aumentar a expectativa de quem ainda não conhece o festival.

De quem foi a culpa pela triste pré-festa? Da outra meia dúzia de locais da cidade que decidiram realizar concertos naquela mesma noite? Dos promotores por optarem por fazer durante a semana e com pouquíssima divulgação? Do público apático? Da mídia que só está mais interessada no FOMO e por isso ignora as pequenas bandas? Da economia global que transformou o lazer num luxo? Nenhuma desculpa me parece válida. O cenário musical local merece mais, e fazê-lo crescer é responsabilidade de todos, cada um contribuindo com o que quer a partir de suas trincheiras.

 

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