Se você gosta de rockão nervoso, a Bala é tiro certo! Para atingir o alvo, que é um som enérgico, a dupla de musicistas da Galícia (Espanha) apresenta musicalidade carregada com traços de subgêneros do estilo. Por exemplo: tem a impetuosidade do punk rock (tanto na postura quanto em algumas batidas aceleradas), o peso dos riffs stoner e a intensidade ruidosa do grunge e do rock alternativo dos 1990. Com o terceiro álbum pronto para ser lançado oficialmente em 14 de maio, Anxela (guitarra e voz) e Violeta (bateria e voz) têm a perspectiva de colocar na mira novos mercados. Afinal, “Maleza” é o primeiro registro por uma gravadora maior, a Century Media, capaz de fazer o trabalho das meninas ricochetear em territórios antes, talvez, inatingíveis.
O disco segue com a proposta disparada no segundo trampo, “Lume” (2017), que é cantar no idioma pátrio — o debut “Human Flash” tem praticamente todas as letras em inglês. A estratégia, segundo a guitarrista, parece ter funcionado.
“Penso que é mais sincero quando você canta na sua própria língua, queríamos tentar isso. As músicas que mais curtimos são em nosso idioma mesmo e notamos, quando tocamos ao vivo, as pessoas cantando essas faixas. Isso não rolava com os sons em inglês. É uma energia muito legal e queremos continuar assim”, conta Anxela.
Tendo como arma somente a música — pois garantem ser pacifistas —, as Bala também estão munidas com experiências de incursões por Japão, Austrália, Inglaterra e Colômbia.
Conversamos com Anxela, via zoom, sobre a sonoridade da banda, o espaço para mulheres no rock, a preocupação com o lado audiovisual e, claro, influências.
O poderio de fogo da dupla pode ser conferido nos quatro vídeos/singles retirados de “Maleza”, listados no decorrer da entrevista: ‘Agitar’, ‘Hoy No’, ‘X’ e ‘Mi Orden’.
Como vocês se envolveram com rock e passaram a tocar em bandas?
Anxela — Nós tivemos outras bandas. Estávamos tocando, Violeta com os projetos dela, eu com os meus, e tínhamos muitos amigos em comum. Já nos conhecíamos porque sempre íamos a shows e tal. Uma vez toquei com minha banda, e ela com a dela, no mesmo local. Acho que foi quando tudo começou, pois dissemos: “temos de fazer um som juntas algum dia”. Então, assim o fizemos.
E por que a opção de seguir como duo? Acha que facilita nas questões relacionadas à banda lidar só com mais uma pessoa?
Anxela — A gente começou assim e também pensamos que é o suficiente. Estamos contentes com esse formato, realmente não precisamos de mais ninguém. Temos outras bandas, com mais pessoas, mas na Bala estamos bem assim. Na real, nunca conversamos sobre ter mais alguém conosco. Eu toco guitarra com dois amplificadores, um de guitarra e outro de baixo, e minha afinação é bem baixa. Já a Violeta esmurra a bateria com muita energia. Não sentimos falta de nada, creio que estamos bem assim.
Não sentem falta dos graves do baixo, então?
Anxela — Não mesmo. No álbum mais recente temos baixo em três faixas, gravados pela Bonnie Buitrago (Nashville Pussy). Além disso, curtimos tentar coisas novas, alguns experimentos. Enfim… acho que estamos de boa apenas nós duas.
O som das Bala tem elementos do stoner, do grunge e do punk rock. Quais características desses estilos chamam sua atenção?
Anxela — Essa é uma questão difícil. É complicado rotular nós mesmas, pois adoramos qualquer tipo de música. Ouvimos de tudo, praticamente. Então, penso que misturamos o que que curtimos. Eu adoro Dead Kennedys, Social Distortion, Bad Religion (disse Anxela ao ver os logos dessas bandas no espaço em que o entrevistador estava). Também amo L7, Nirvana, Melvins… são muitas bandas diferentes. Se você mistura essas referências é isso que você tem. Black Sabbath também, claro. O que é comum no nosso gosto é música alta, enérgica, pesada algumas vezes. Temos algumas composições velozes, mas também temos outras arrastadas ou pesadas. O trabalho novo tem sons punks, outros puxados para o stoner, alguns para o metal.
O nome Bala tem a ver com isso? Tipo, com a ideia de ser direto e cortante?
Anxela — Isso, com ser intenso, enérgico, com som alto. É bom lembrar que nós duas somos pacifistas. Nossa arma é a música mesmo.
As letras no primeiro álbum “Human Flesh” (2015) são em inglês. No segundo registro “Lume” (2017) já são quase todas em espanhol. E, dos quatro singles tirados do novo trabalho, três são em seu idioma nativo. Quais razões para a mudança?
Anxela — Quando começamos a tocar, a gente não sabia muito bem o que queria fazer, estávamos tentando coisas. Não pensávamos muito no assunto. Como ouvíamos boa parte das músicas de que gostamos em inglês, acabamos fazendo em inglês. Mas não penso que foi uma boa ideia, porque não é nossa linguagem. Penso que é mais sincero quando você canta na sua própria língua. E queríamos tentar isso. Então, “Lume” foi quase todo em espanhol, com um tema em galego e alguns poucos em inglês. As músicas que mais curtimos são em nosso idioma mesmo e notamos, quando tocamos ao vivo, as pessoas cantando essas faixas. Isso não rolava com os sons em inglês. É uma energia muito legal e queremos continuar com isso. No álbum novo (que tem nove faixas), temos uma composição em galego, duas em inglês (sendo um instrumental) e as demais em espanhol. Soa mais puro, mais sincero. É o que temos internamente, sei lá.
É algo cliché, mas sempre gosto de perguntar: quais artistas são referência para as Bala? Não só nomes conhecidos internacionalmente, mas também os grupos locais.
Anxela — Das grandes bandas que nos influenciaram, já disse alguns nomes como Black Sabbath, Nirvana, L7, Bikini Kill e muitos outros. Aqui na Galícia, noroeste da Espanha, tem muitos grupos legais. O pessoal de outras partes do país até costuma dizer que não sabe o que acontece aqui para ter tantas bandas. Talvez porque o tempo não é dos melhores, aí, quando chove, uma alternativa é se juntar com os amigos e tocar. Talvez essa seja uma razão. Temos muitas parcerias em outras bandas que adoramos, como Metamovida, que é um coletivo de vários músicos da área em que se encontra gente do metal, do punk e até do instrumental. Tem ainda Cuchillo de Fuego e Moura, que também são ótimas bandas. Como é uma região pequena, todos nos conhecemos. Pessoal que faz um som por aqui é uma espécie de grande grupo de amigos em que rola influência mútua, cada um inspira os outros.
É algo meio como a Suécia, em que há muitas bandas legais numa área geográfica pequena.
Anxela — Isso.
Em 2020 foi lançado um documentário sobre o rock na América Latina chamado “Rompan Todo”. Chegou a assistir? Esse cenário tem alguma influência em vocês?
Anxela — Eu vi algo sobre, mas não assisti ainda. Está na minha lista de coisas a se fazer e pretendo que isso se concretize nas próximas semanas. Eu conheço, claro, o Ratos de Porão, do Brasil. Adoro eles! Tem também a 2 Minutos, da Argentina. Conheço algumas bandas e curto elas. Quando tocamos em Bogotá (capital da Colômbia), uns dois ou três anos atrás, descobrimos vários grupos legais da América Latina. Temos de ir um pouco mais a fundo, mas certamente adoramos tudo isso. Mesmo gente de diferentes estilos, como o Caetano Veloso e outros assim, que são grandes artistas, apesar não serem do rock ou de algum tipo de música pesada. Mas, como disse, ouvimos vários tipos de músicas e temos muitas influências distintas.
Já ouviu falar das Nervosa aqui do Brasil?
Anxela — Sim, claro! Esqueço que elas são brasileiras. Uma banda muito poderosa.
Outras formas de arte, como cinema e literatura — principalmente em língua espanhola —, também são inspiração para as Bala?
Anxela — Claro! Nós duas realmente amamos cinema, além de fotografia e livros. E isso é perceptível. Por exemplo: desse último álbum até então, “Maleza”, já temos quatro videoclipes lançados. E cada um deles é diferente do outro. O segundo, ‘Hoy No’, é meio road movie, meio Tarantino. O que veio depois, ‘X’, é diferente; e o quarto, ‘Mi Orden’, é uma animação. O conteúdo audiovisual é muito importante para nós. Não sei, talvez tão relevante quanto a música. E, atualmente, quando não podemos fazer shows ao vivo, penso que é bem importante ter esses registros em vídeo. Sobre literatura: no primeiro single mais atual, ‘Agitar’, a letra tem referências à Lúa Mosquetera, que é uma excelente escritora. Ela é nossa amiga, tem dois livros, e nós adoramos o que ela escreve. Então, pedi à ela para tocar um som com trechos de um dos seus textos. Foi algo bacana para ambas as partes.
Com a banda ganhando cada vez mais espaço, vocês se dedicam integralmente ou têm outras atividades, outros trabalhos?
Anxela — Atualmente, em razão da pandemia, perdi o emprego que tinha. Na verdade, nunca quisemos viver somente para a banda porque amamos nossos trabalhos. Essa é a única razão. Violeta é professora de artes, ensina bateria e outros instrumentos para crianças. Para adultos também, mas principalmente para os pequenos. E é um emprego muito legal, ela adora. Eu estava atuando na indústria musical, organizando shows e turnês, trabalhando com bandas e tudo relacionado à música. Se for possível fazer as duas coisas, iremos fazer. Se em algum momento tivermos de optar, provavelmente escolheremos a banda, porque é muito importante para nós. Contudo, se pudermos seguir com outras atividades, não tem por que não.
Trocando de assunto: houve algum momento na carreira das Bala que foi preciso lidar com machismo ou algum tipo de preconceito dos homens?
Anxela — É inacreditável que, nesta altura, ainda aconteça algo do tipo. Mas sim, rola. As coisas estão mudando, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Já ouvimos muitas vezes frases do tipo: “você toca muito bem para ser uma garota” ou “vocês soam como dois caras”. Só penso: “o que”? Uma vez num festival pensaram que eu e Violeta éramos namoradas de músicos de outras bandas. Essas são algumas situações que aconteceram conosco. Outra vez, fomos ao local do show e alguém disse: “vi que duas garotas iam tocar, achei que fosse pop”. Isso é preconceito. Quando te dizem esse tipo de coisa, as pessoas pensam que estão falando algo positivo, elogioso. Não sei o que há na cabeça dessa galera para pensarem assim. Eu fico: “já pensou no que está dizendo”?
E alguma vez já confrontaram essas pessoas, questionando-as com a pergunta que você disse?
Anxela — Sim, já dissemos isso algumas vezes, mas não sempre. Algumas vezes não queremos argumentar. É tipo: “tá bom, saí pra lá”! Não costumo fazer isso, mas às vezes vejo comentários no YouTube e um dos últimos que li dizia “vocês estão naqueles dias do mês?” Não entendo o porquê disso. Eu penso em responder, mas não faço isso. Não vou perder tempo.
Pensa que o meio musical ainda é dominado por homens? Ainda há uma perspectiva muito masculina?
Anxela — Como disse, está mudando. Mas sim, ainda é. Precisamos de mais referências femininas. Isso é muito importante. Às vezes, ao ver uma mulher fazendo algo, outras se dão conta de que também podem. Ainda mais quando é algo comumente realizado por homens há décadas. Às vezes pensamos não estar aptas a fazer o mesmo. Tipo: “isso é para homens, não para mim”. Precisamos de mais identificação, em quem nos espelharmos. O que rola de mais bonito é quando terminamos um show e uma menina ou mulher vem nos dizer que somos uma referência, que ela criou uma banda depois de nos ouvir. É o melhor que podemos escutar, pois precisávamos dessa afirmação também quando começamos. É algo muito importante. Temos ótimas inspirações, como a Brody Dalle, do Distillers, L7, Bikini Kill, PJ Harvey, Kim Gordon (Sonic Youth). Se eu parar para pensar, tenho muitas outras referências femininas.
E tem se tornado mais frequente essa reação positiva das mulheres ao assistirem as Bala?
Anxela — Sim, está mudando. Cada vez percebemos mais meninas ou mulheres em nossas apresentações e também nos seguindo pelas redes sociais, comentando. Acho que é importante para elas escutarem nossas letras, atiçarem a curiosidade sobre o que estamos fazendo. Creio que é algo que está crescendo.
O que o público pode esperar do novo álbum “Maleza”, que sai em maio e é o primeiro por uma gravadora grande, a Century Media?
Anxela — O material foi gravado em 2019, antes de assinarmos com a CM. E o disco é 100% Bala. É algo similar ao nosso segundo registro “Lume”, mas mais poderoso. O som é mais potente, e as composições são um pouco diferentes. Temos alguns pequenos experimentos com baixo, brincamos com nossas vozes — a minha é mais aguda, e a da Violeta mais grave. Ainda tem algumas melodias que nunca usamos. É um álbum mais otimista, na falta de uma palavra mais adequada. É raivoso e em alto volume, que é nossa assinatura, mas se você for fundo nas letras vai encontrar algo positivo. “Lume” foi como o apocalipse, estilo “destrua tudo”. “Maleza” é mais otimista.