A raiva canalizada em forma de som é trangressora e necessária para criar música agressiva de ótima qualidade. É o que se propõe a Diokane, banda que não pouca urros, berros e gritos para revelar ao mundo o que está errado – e aliviar internamente a ira que consome a todos nós (quem não?). A banda porto-alegrese, formada por Billy Valdez (baixo), Gabriel ‘Kverna’ Mota (bateria), Homero Pivotto Jr. (voz) e Rafael Giovanoli (guitarra), tem se destacado nos últimos anos no cenário gaúcho participando de concertos, festivais e shows e aberturas de grandes nomes, como os músicos do Sepultura, uma das bandas brasileiras mais reconhecidas internacionalmente. Esse show, realizado em 4 de novembro de 2018, intitulado “Max e Iggor Cavalera 89/91 Era – Special Setlist”, reuniu os irmãos que fundaram o Sepultura tocando petardos dos clássicos Beneath the Remains (1989) e Arise (1991).
“Cria sem raça definida” de nomes como Napalm Death, Ratos de Porão, Circle Jerks, Snot, Rotting Christ, Ramones, Strife, Motörhead, Converge, Sepultura, Sarcófago, The Stooges e Racionais MC’s, a Diokane, agrupada desde 2016, faz um cruzamento de referências do punk/hardcore e do metal que “não se atém a classificações tradicionais de música pesada”. Os integrantes preferem deixar pra quem ouve essa avaliação, e avisam que suas referência estão em constante movimento, podendo mudar, afinal, o que é permanente, não é mesmo?
O primeiro EP da banda, intitulado This Is Hell We Shall Believe, foi lançado no fim de 2018. São cinco faixas e mais uma intro que têm como base o hardcore, mas que passeiam pelo death, thrash, grind, black metal e punk rock. A mistura sonora ganha o ouvinte pela naturalidade com que é costurada durante os pouco mais de 10 minutos do registro. A produção, simples mas eficiente — feita pela própria banda e por Stenio Zanona (do TungStudio, onde as faixas foram gravadas) —, ajuda a destacar a força das composições. O trabalho saiu em CD e também está disponível nas principais plataformas de música.
Abaixo, entrevista concedida pelo vocalista Homero Pivotto Jr. ao Cultura em Peso.
Cultura em Peso – Que mensagem vocês querem passar com o som de vocês?
Homero Pivotto Jr – Grosso modo, acho que um recado pra nós mesmos: extravasar o que nos incomoda por meio de algo que nos é muito caro: a música. No meu caso é – literalmente – um grito libertador contra o que perturba e o que oprime. Creio que qualquer pessoa com algum bom senso não consegue manter-se tranquila com o que rola por aí — opressão (seja do estado ou de outras gentes), preconceito, crises (pessoais e do mundo), falta de perspectiva, incertezas de futuro… Materializar esse descontentamento em forma de barulho ameniza a situação. É meio terapêutico, no sentido de verbalizar o problema e colocá-lo na tua frente pra descobrir formas de como lidar. Penso que a arte, em todas as formas, tem esse potencial. Se alguém se identificar, mara! Se não, segue o baile.
CP – Como a raiva se encaixa ai? Vocês têm raiva de quê?
HPJ – Mano Brown deu a letra em ‘Vida Loka 2’: “eu não era assim / eu tenho ódio e sei / que é mau pra mim”. É meio nessa pegada com a raiva. Ela é uma emoção que move as pessoas, para o bem ou para o mal. Até preferia não sentir esse lance meio colérico, mas me persegue. Embora não seja lá algo muito positivo pra sentir, às vezes serve para algo. Criar música agressiva é um exemplo. Particularmente, tenho raiva de muitas coisas: mau-caratismo, falta de empatia, lavar louça, quem anda com guarda-chuva aberto embaixo de marquise, falta de grana, tempo escasso, minha incapacidade de ser o pai que eu gostaria de ser etc. Tenho raiva de mim mesmo às vezes, por certo.
CP – Vocês cantam em português e inglês. Qual a diferença?
HPJ – Acho que tem o lance da colonização, de sermos desde cedo bombardeados com referências gringas. Isso pesa, de alguma maneira. Por outro lado, tem a questão de escrever na língua nativa pra se fazer entender (e aí me pergunto: quem entende essa gritaria? risos, mas de nervoso). Enfim… a gente compõe no esquema de que as letras, quase sempre, são feitas depois do instrumental. Nessas, costumo ouvir as composições e aí criar a parte lírica. Se o insight vem em inglês, tento seguir nele. Da mesma forma se algo vem à mente em português.
CP – O clipe Descreditado foi gravado separadamente por causa da pandemia, acredito. Como foi a experiência e como se organizaram nesse período?
HPJ – Essa pandemia foi uma rica duma merda. Penso isso como pessoa física, integrante de banda, profissional da comunicação, pai de família e criatura que curte flanar por aí. A gente ficou trocando ideia e se xingando sem motivo no grupo do whatsapp (que banda não faz isso, né?) da Diokane. Queríamos algo pra movimentar, já que show e ensaio não estavam rolando. Então, fazer um clipe à distância foi a alternativa. Fizemos outro nessa metodologia também, que é de ‘Under the Influence’. Quem editou foi o Dudu, que era baixista até então.
CP – Como foi abrir para o Sepultura? E Ratos de Porão…
HPJ – Demais! São duas bandas que são referência pra gente. Pra completar, ambos os shows foram no Opinião (pico de shows clássico em Porto Alegre), com infra bacana e pessoas de quem gostamos por perto.
CP – Qual influência de vocês? Pode citar década, banda…
HPJ – A rotina, bem como as alegrias e as agruras de ser quem se é, são influências constantes. Entretanto, foquemos no som. A gente, digamos assim, não cozinha na primeira fervura. Eu diria que somos tios jovens que foram realmente jovens nos anos 1990 — absorvendo tudo que rolava naquele período — e admiravam os anos 1980. Mas, claro, sem ficar estagnado no passado, pois apesar da nostalgia, tem muita produção musical interessante. Então, quero crer, tem um quê de ‘atual’ no que tentamos fazer. Nominalmente, vou citar alguns nomes que tenho como referência (fora os já mencionados RDP e Sepultura): Napalm Death, Killing Joke, Racionais MC’s, Faith No More, Test, No Rest, Control Machete e Converge. Se eu fizer essa lista novamente em outro momento é provável que seja diferente, porque é muita banda que nos estimula de alguma forma.
CP – Como vocês enxergam o estilo da banda? Seria: Punk/HC, no grindcore, no thrash metal?
HPJ – O ideal é deixar pra quem ouve essa avaliação. No geral, acho que estamos mais pra turma do ‘core’, mas com influências diversas de todos esses outros gêneros mencionados por ti. Talvez toquemos algo como ‘hardcore torto’, na falta de um rótulo mais específico.
CP – Vem disco novo por aí?
HPJ – Oremvs! Organização não é o forte da firma (risos, de nervoso – mais uma vez), mas a ideia é lançar um álbum o mais breve possível. Espero que este ano. Música pra isso tem.
CP – Como é ter uma banda no cenário alternativo do Rio Grande do Sul?
HPJ – Eu sou do interior, mais precisamente de Santa Maria, onde também faço parte de banda, e agora moro em Porto Alegre. Acho que cada local tem suas especificidades. Viver numa capital tem algumas facilidades, mas, pensando macro, é uma peleia constante, seja onde for. A geografia até influi, mas hoje em dia pesa mais o momento da vida de cada um dos integrantes. É uma ironia, mas estar em uma banda independente nos faz depender de muitas outras situações. Tipo grana e tempo pra ensaio (e pra shows, principalmente fora de casa), disposição pra se envolver, condições pra se dedicar o quanto gostaria e por aí vai. Tem muita banda foda no estado, do metal ao extremo ao indie, passando por rap, punk rock e até artistas mais pop. Me parece que, o que pega atualmente, são espaços para tocar que rarearam — bem como o interesse do público em consumir o que bandas produzem e conferir os shows. Recentemente, tem surgido uma galera mais nova nas apresentações ao vivo demonstrando interesse, o que é muito massa. Aliás, gurizada: façam bandas! Daqui do nosso lado, tentamos buscar alguma realização e diversão.
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