A escassez de pretos no cenário do Rock/Metal nacional não é pura e simplesmente uma questão de identidade musical. Isso vai além, passando inclusive pela forma como o mercado entrega este produto no mercado musical. Desde que Seu Jorge disse em 2015 que “O rock não é um gênero pro negro”, incontáveis matérias explodiram pela Web para confrontar essa linha de pensamento. Justo, já que o artista explanou algo pessoal como se fosse uma linha a se seguir, inclusive caindo em contradição ao ser questionado sobre nomes do Rock em que desfrutava.
Li muitos textos que confrontaram essa visão, a maioria, trazendo aquela já conhecida fórmula de afirmação: pega-se os nomes clássicos como Muddy Waters, Bo Diddley, Little Richards, Sister Rosetta Tharpe e outras pedras fundamentais sem as quais hoje não estaríamos debatendo isso. Porque sim, sem essas figuras não existiria nada disso.
Apesar de necessário, sobretudo para evidenciar um lapso grotesco pela parte do Seu Jorge, não acredito ser muito inteligente confrontar aquela famosa entrevista de 2015 levando para os textos, percepções pessoais da coisa. No fim, textos assim acabam afirmando duas vertentes: a primeira é a daquele preto que assina embaixo este signo, a segunda é a daquele que não quer ver preto no Rock, sobretudo no Metal.
Cultura Nas Capitais
Eu não preciso traçar historicamente a importância do preto no Rock/Metal, já que você pode encontrar vários artigos fazendo este trabalho. Aqui eu quero propor outra reflexão. Trazendo números da pesquisa Cultura Nas Capitais, percebe um padrão na forma como se entrega determinados produtos há muitos anos em nosso país.
Foram entrevistadas 10.630 pessoas. Aqui você pode entender a metodologia da pesquisa. Vale ressaltar que 19% dos entrevistados se identificaram como pretos, enquanto 45%, como pardos. Também apenas 15% dos entrevistados eram da Classe D/E, 47% da Classe C, 32% da Classe B e 6% da Classe A. Os seguintes dados me chamaram atenção:
Ouvintes de Rock – 2.129 (20% do total de ouvintes de música)
Ouvintes de Metal – 71 (3,33% de ouvintes de Rock)
Ouvintes pretos no Rock – 264 pessoas (14% do total de pretos ouvintes de música)
Ouvintes pretos no Metal – 8 pessoas (3,01% dos ouvintes pretos de Rock)
Ouvintes pardos no Rock – 786 pessoas (16% do total de pardos ouvintes de música)
Ouvintes pardos no Metal – 19 pessoas (2,42% do total de ouvintes pardos de Rock)
Ouvintes mulheres pretas no Rock – 105 pessoas (10% do total de pretas ouvintes de música)
Ouvintes mulheres pretas no Metal – cerca de 1 pessoa (0,78% das ouvintes pretas de Rock)
Ouvintes mulheres pardas no Rock – 293 pessoas (11% do total de pardas ouvintes de música)
Ouvintes mulheres pardas no Metal – cerca de 5 pessoas (1,64% das ouvintes pardas do Rock)
Ouvintes homens pretos no Rock – 159 pessoas (18% do total de pretos ouvintes de música)
Ouvintes homens pretos no Metal – 7 pessoas (4,43% dos ouvintes pretos de Rock)
Ouvintes homens pardos no Rock – 493 pessoas (22% do total de pardos ouvintes de música)
Ouvintes homens pardos no Metal – 14 pessoas (2,87% dos ouvintes pardos de Rock)
Quanto à Classe Social:
Rock Classe D/E – 148 pessoas (9% do total de ouvintes de música da classe)
Metal Classe D/E – cerca de 5 pessoas (3,15% de ouvintes de Rock da classe)
Rock Classe C – 856 pessoas (16% do total de ouvintes de música da classe)
Metal Classe C – 24 pessoas (2,82% de ouvintes de Rock da classe)
Rock Classe B – 942 pessoas (28% do total de ouvintes de música da classe)
Metal Classe B – 34 pessoas (3,57% de ouvintes de Rock da classe)
Rock Classe A – 183 pessoas (32% do total de ouvintes de música da classe)
Metal Classe A – 8 pessoas (4,41% de ouvintes de Rock da classe)
Pretos no Rock – Classe D/E – 27 pessoas (8% do total de pretos ouvintes de música da classe)
Pretos no Metal – Classe D/E – 1 pessoa (4,43% de pretos ouvintes de Rock da classe)
Pretos no Rock – Classe C – 114 pessoas (11% do total de pretos ouvintes de música da classe)
Pretos no Metal – Classe C – cerca de 2 pessoas (1,56% de pretos ouvintes de Rock da classe)
Pretos no Rock – Classe B – 106 pessoas (22% do total de pretos ouvintes de música da classe)
Pretos no Metal – Classe B – 4 pessoas (4.04%¨de pretos ouvintes de Rock da classe)
Pretos no Rock – Classe A – 17 pessoas (24% do total de pretos ouvintes de música da classe)
Pretos no Metal – Classe A – cerca de 1 pessoa (4,38% de pretos ouvintes de Rock da classe)
Pardos no Rock – Classe D/E – 27 pessoas (8% do total de pardos ouvintes de música da classe)
Pardos no Metal – Classe D/E – 1 pessoa (4,43% de pardos ouvintes de Rock da classe)
Pardos no Rock – Classe C – 114 pessoas (11% do total de pardos ouvintes de música da classe)
Pardos no Metal – Classe C – cerca de 2 pessoas (1,56% de pardos ouvintes de Rock da classe)
Pardos no Rock – Classe B – 106 pessoas (22% do total de pardos ouvintes de música da classe)
Pardos no Metal – Classe B – 4 pessoas (4.04% de pardos ouvintes de Rock da classe)
Pardos no Rock – Classe A – 17 pessoas (24% do total de pardos ouvintes de música da classe)
Pardos no Metal – Classe A – cerca de 1 pessoa (4,38% de pardos ouvintes de Rock da classe)
História
A história do Rock no Brasil traz mais mão amiga à segmentação do mercado para brancos. Há uma divergência sobre quem trouxe o gênero para o país, figurando em nomes como Nora Ney (com uma versão de “Rock Around The Clock”, de Bill Haley em 1956), Miguel Gustavo (com a primeira música original “Rock N’ Roll em Copacabana”, gravada por Cauby Peixoto) e Celly Campello (esta tida por muitos como a precursora do Rock N’ Roll no país a partir de 1958). Todos brancos. Logo, a Jovem Guarda: Roberto Carlos (o Rei), Erasmo Carlos (o Tremendão) e Wanderléia (a Ternurinha) seguidos pela turma Nalva Aguiar, Celly Campello (a mesma supracitada), Vanusa, Eduardo Araújo, Silvinha, Martinha, Arthurzinho, Ronnie Cord, Ronnie Von, Paulo Sérgio, Wanderley Cardoso, Bobby di Carlo, Jerry Adriani, Rosemary, Leno e Lilian, Demétrius, Os Vips, Waldirene, Diana, Sérgio Reis, Sérgio Murilo, Trio Esperança, Ed Wilson, Evaldo Braga e as bandas Os Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys e The Fevers. Destes apenas o Trio Esperança, Golden Boys e Cid Chaves (do Renato e Seus Blue Caps que entrou depois na banda) eram pretos.
Mas acusar aquele mercado fonográfico de branqueamento seria pretensão de minha parte, já que este processo havia sido iniciado no nosso país há basicamente 60 anos na sociedade.
Mercado
A publicidade tem forte apelo naquilo que se consome. Gostar de Rock/Metal tem suas peculiaridades, segundo especialistas. Muitos divergem pela forma como conduziram suas pesquisas. Prefiro ficar com a especificidade de cada ser humano, seja pela reclusão, pela exclusão ou por pura rebeldia ante uma situação angustiante. O Rock, e sobretudo o Metal, se tornou uma forma de se rebelar contra algo, seja fútil ou não.
E onde entra o Mercado nisso? Entra na forma como ele te entrega o produto. Sim! Guarde no fundo do seu guarda-roupas essa coisa de Estilo de Vida, Metal também é um produto muito bem refinado. E como tal, há pelo menos 30 anos (finais da década de 80 e inícios da década de 90) ele criou a sua “Persona” para a Segmentação de Mercado. Aqui no Brasil, e considerando a pesquisa supracitada, o roqueiro é um homem branco (26%), heterossexual (20%), não tem religião ou é alguma não vinculada à pesquisa – (39%), solteiro (24%), sem filhos (29%) e possui hoje de 18 a 26 anos (26%).
Estes números são usados para fins de otimização de propaganda. Por mais que as porcentagens distorçam o total real dos roqueiros – e se analisar pelos totais reais, essa conta muda um pouco – a propaganda que nós vemos é basicamente esta E vemos isso por indução. O Rock no Brasil – e no mundo – continua induzido por um estereótipo que prejudica àqueles que não fazem parte deste perfil.
O curioso desta pesquisa, além de outras como o Infográfico do Kantar Ibope, foi o mercado alternativo que se criou no país, com personagens negociando palavras por alguns barões de Reais. Se considerarmos os 75% de negros (que para o IBGE, negros são pretos e pardos) literalmente na faixa de pobreza e, retirando destes percentuais, aqueles que apreciam Rock e Metal, vemos que o mercado do Rock no Brasil além de elitista e racista, tornou-se perverso. Contra números, não há argumentos.
E o que fica?
Não é raro ver uma banda composta por pretos ter um subgênero atrelado a qualquer coisa que não tenha mais de 30 anos. A menos que se rotule como Crossover, Hardcore e etc, dificilmente verá bandas compostas por pretos com rótulos definidamente consagrados. Se ainda figurar, perceberá o quanto não é atrativo para os veículos noticiarem os artistas. É simples: não fazem parte da Persona.
“Faz teu som!”, é o que dizem. Não adianta apenas você fazer seu som, se o ouvido será induzido a escutar mais branco e menos preto.
No entanto, parece – e aqui é meu puro Senso Comum falando – haver uma predisposição a não entregar o Rock para outros perfis. Considerando que esta pesquisa é recente e a idade que o Rock tem no Brasil, fico pasmo ao dialogar com pessoas de fora do círculo e estas simplesmente mentalizar Rock como se um gênero fosse. Falar em Heavy Metal então, é mais complexo do que se parece para quem nada compreende disso, em pleno 2020. O mais curioso é compreender isso de pessoas que já assimilaram gêneros musicais muito mais recentes, que foram muito bem entregues, seja lá quais algoritmos foram utilizados para isso. Chego a conclusão de que aqui parece ser feito cada vez para um nicho determinado. Faço a minha parte, procurando mostrar a diferença de um artista e outro. Acredito que todos deveriam fazer o mesmo. Talvez assim, quem sabe, mudamos essa faceta.
Para saber mais sobre o coletivo acesse também https://linktr.ee/pretonometal
Texto de Terry PainKiller
Revisão Ju Elias
Postagem Indy Lopes