O projeto Quilombo foi criado há bastante tempo, e vocês trabalharam muito em tudo ate o lançamento  que aconteceu recentemente. Quando o grupo foi criado ainda não havia estourado o boom político que ainda viria a tomar conta do país na pré-eleição. Todos os acontecimentos que vieram durante este período potenciou a produção da banda?

Panda Reis – Então, a banda em si não tem tanto tempo assim, a ideia sim, mas a banda foi formado um ano antes das atuais eleições presidenciais, então as letras já estavam sendo escritas antes das eleições, então não acho que fomos influenciados por tudo que aconteceu e vem acontecendo politicamente no Brasil e no mundo. Porém, o mundo nunca foi um lugar agradável para o meu povo, desde o processo escravocrata as coisas sempre foram ruins para nós, então eu diria que o mundo desde o século XVI, essa realidade, me inspirou a escrever, não só letras, mas também meus artigos e textos.

Houve algum tipo de pesquisa aprofundada para a confecção das letras? Vide que elas abordam a cultura Africana?

Panda Reis – Minha linha de estudos e pesquisas já era nessa linha, então meio que eu já pesquisava esse assunto, daí para transformar a pesquisa em letras foi um pulo. O assunto sempre me causou curiosidade, tendo em conta que a historiografia ocidental sempre foi tendenciosa, é aquilo né , a história costuma ser contada pelos que dominaram, exploraram e tendenciosamente manipulam pra justificar a dominação.

Vocês esperam mudar o conceito dos olhos para a Africana? Relembrar as agressões sofridas pelo povo e trazer mais consciência? É possível atingir isto fazendo Death Metal?

Panda Reis – Não sou tão pretensioso a esse ponto, têm historiadores fazendo muito bem esse papel, principalmente historiadores africanos e afrodescendentes. Se for possível atingir algum resultado positivo usando o death metal, veremos no futuro, mas só de ter bandas falando sobre o assunto, já é um avanço. Todo ser humano está consciente do que o humano fez contra o humano, todo brasileiro sabe a dívida histórica que tem para conosco, somente um completo mau caráter, um hipócrita, pode alegar desconhecimento de causa, os racistas esses sim negam e amenizam tudo, mas aí não é só com a questão do sequestro, escravidão e roubo do nosso povo, mas sim tudo no geral.

O percussionista Binho Gerônimo trouxe elementos originários da África no EP, conta pra nós como surgiu o convite e o que ele agregou para vocês?

Panda Reis – Conheço o Binho Geronimo desde quando ele era uma criança, o conheci porque sou amigo dos irmãos dele, estudamos juntos e os irmãos deles foram os primeiros a montarem uma banda na região onde eu moro, ou seja, conheço ele há muito tempo. Quando começamos a compor o ep já sabia que eu queria tambores africanos, pensei em eu mesmo grava- lós, mas isso levaria mais tempo, e quando liguei pra ele, ele aceitou na hora e daí pra agendar as gravações foi um passo. O Binho é foda nos tambores, já tocou só com os bambambas em vários estilos, sem contar que ele é forjado na cultura afro descendente, então ele era o cara certo pra entender e escutar a minha demência de colocar tambores naquela barulheira toda rsrsrs, esperamos ter a chance de trampar com ele no próximo.

 Você que é historiador,  já foi filiado a partido político, e esta a mais de 30 anos na cena Underground, Como você tem visto o cenário metal atualmente? Acredita que o Quilombo sofrerá alguma rejeição na cena?

Panda Reis – Sim é verdade, sou filiado a um dos partidos políticos mais de esquerda que temos por aqui, porém faz um tempo que não dou as caras, talvez justamente por achar que poderiam ser ainda mais extremistas rsrs, ou talvez nem seja isso … A verdade é que nos anos 80 muitos anarquistas se filiaram a partidos de esquerda, eram os primeiros anos do final da ditadura, era uma maneira legítima de se posicionar ao contrário de tudo que ainda restava daquele regime. Mas sendo um humanista adepto a autogestão, não me agrada em nada o que vem acontecendo com a cena, na verdade, mesmo sabendo da merda que somos como pessoas, achava que no underground estava o refúgio para o podre da nossa sociedade, mesmo já tendo sofrido agressões verbais racistas pelo que escrevo e defendo, não achava que tínhamos tantos seres mediocremente desenvoluidos em todos os aspectos. Me causa asco ao me ver no mesmo lugar que aqueles que defendem a família, propriedade, Deus e os bons costumes, na força militar, algo não orna com a ideologia rock, algo está incomodamente fora do lugar. Algumas bandas brasileiras não entenderam porra nenhuma do que é uma cultura a margem da sociedade, claro que tudo tem a ver com as mudanças retrógradas da nossa sociedade, pois como já dito nossa cena não se encontra em um universo paralelo a sociedade como um todo, muito pelo contrário, pois somos crias das cidades e com isso das desigualdades , repressões e uma frieza humana gigante, então não é fácil entender por que tantos bangers e até punks se demonstram claramente fascistas, racistas e completos preconceituosos !!! Claro que podemos seguir a tese sociológica e explicar as coisas por esse ponto, porém tudo que ocorre só deixa claro que não somos tão diferentes daquele PM escroto comedor de coxinha da padaria, muito parecido com aquele playboy machista que trata a mulher como lixo e pose, daquele crente fanático ignorante desconhecedor até da sua própria doutrina, desconhecem ate a ideologia anarquista que foi seu maior representante … Por décadas pensei que éramos um pouco menos pior do que ficou claro que somos hoje.

Mano, rejeição é algo que não me preocupa, pois um Preto que toca metal, grind e hard core já sofre rejeição em ambos os ambientes, tanto na Black music, como no undergroud, isso graças à mentalidade estereotipada de que certas etnias devam fazer determinados estilos, sendo que a universalidade da música, e da nossa espécie, já joga por terra essa tese. Se rolar rejeição, eu na verdade chamaria de distinção , separar os indesejáveis, se isso ocorrer já será gratificante , não ter nenhum racista ouvindo nossa música seria perfeito.

Sobre o cenário atual … Porra as coisas estão bem estranhas, eu vejo como reflexo da sociedade em geral, às vezes a gente esquece que a cena está inserida na sociedade e não é algo a parte, então é impossível que as coisas não se misturem.

Sabendo que o nome da banda é “Quilombo”, e o ep “Itankale”, falando mais aprofundadamente, quais são os temas abordados nas letras?

Panda Reis – A ideia sempre foi falar da cultura africana e seus descendentes, com a Diáspora africana, nossa cultura e costumes se espalharam pelo globo, sincretismos, intercâmbios de ambos os lados, moldaram algumas partes do mundo, como é nosso caso aqui no Brasil, então esse assunto sendo vasto, enorme e infinito, é uma ótima maneira de se tratar a arte. Nesse ep Itankale, que significa evolução em Ioruba, pontuei alguns temas que achei interessante para dar um start na discografia da banda, sendo assim eu escrevi as letras de forma bem fluente, enquanto trabalhávamos as bases no estúdio. Melanina eu discorro sobre toda a cultura e influência social , científica e até mesmo linguística que se espalhou pelo mundo com a diáspora negra, Ancestralidade exalta nossas origens e antepassados, o povo africano da muito valor para seus velhos e antepassados e isso é algo bem diferente nas culturas ocidentais, Treze nações fala da merda que a Bélgica e seu líder Leopoldo II fizeram com o Congo, Descendentes de Reis é explicitamente falando que apesar de termos sido um povo escravizado, somos descendentes de reis e uma cultura única, antes da traição Ocidental, Semi Deusas seria a versão feminina desse assunto, onde falamos nomes de personalidades femininas relevantes na cultura mundial e o ep termina com Diáspora d.C , que ao meu ver tem a letra mais direta onde agressivamente falamos da diáspora negra pelo mundo. Na real todas as letras se completam mesmo o disco não sendo conceitual, mas se centraliza em assuntos, temas e maneira de aborda-los do ponto de vista mais real e menos propagandista do que foi contato por caucasianos no passado.

Jogo rápido:

4 bandas nacionais: Ratos de Porão , Cólera, Sepultura e Facção Central.

4 bandas paulistas: Brigada do Ódio, Punho de Mahin, Ulster e Torture Squad.

4 bandas internacionais: Napalm Death, Six Feet Under , Slayer, Public Enemy e The Exploited.

1 disco: Crucificados pelo Sistema.

1 livro: Coleção História da África da UNESCO (e suas dez mil páginas) ou a Biografia de Malcom X (complicado citar apenas um).

Historia: Fundamental para evolução como civilização. Aprender com o passado para não repetirmos os mesmos erros e absurdos.

África: Mãe, ninho e inspiração.

Violência: Desnecessária e mais usada por seres menos evoluídos.

Sangue: Não é o necessários pra definir uma família, mas necessário para definir uma etnia.

Família: Ancestralidade

Metal: Me trouxe até aqui.

Quilombo: Death Metal contra o racismo.

Uma frase: ” Vocês têm sorte que queremos só justiça e não vingança. “

Como você arruma tempo entre tantos projetos , bandas, blogs para escrever?

Panda Reis – Mano … Não faço a mínima ideia? ! Só sei que vou fazendo e sempre eu tento concluir tudo que começo , mesmo Não conseguindo isso sempre e também desistindo de algumas coisas no meio do percurso. Às vezes da uma vontade da porra de parar ou diminuir a intensidade, pois às vezes da aquela sensação de estar jogando pérolas aos porcos, mas ai percebo que sou tão humanamente medíocre como todos, e que até esse pensamento de parar ou diminuir o ritmo, é um pensamento soberbo e covarde ao mesmo tempo.

Quem é o Panda Reis no dia a dia? 

Panda Reis – Um Afrodescendente que mora na América do Sul, que se entende no meio desse processo todo apenas como mais um em milhões que se incomoda muito com os rumos escolhidos do Brasil e do Mundo, mas que em toda sua pequinês, pode apenas se esforçar para de alguma maneira não ser engolido pela onda individualista, narcisista e materialista que se impôs na nossa humanidade há séculos, e nessa pequinês, usa as armas que tem para escrever , falar, cantar e tocar sobre nossa civilização, as escolhas tomadas e os resultados obtidos. Não sou um político, não sou uma pessoa influente em nada que faço, apenas mais um que vê as contradições e as apontas e faz o máximo para não ser tudo aquilo que sempre critiquei e critico. Estudar cada dia mais, não pela soberba ou ego de se achar mais inteligente ou com maior conhecimento ( eles estão ai pra todxs ) , mas para montar o quebra cabeça histórico em que nos enfiaram, para mostrar para meu filho que o mundo poderia ter ido pra outro caminho, bem mais humano e integrado, mas não foi e não irá tão cedo… então estudando e transmitindo todo conhecimento adquirido para a próxima geração, para que a próxima não cometa os mesmos erros da minha geração , nem os erros das gerações que me antecederam. Apenas um afrodescendente que toca bateria, gosta de musica underground que acorda cedo pra ir trabalhar, volta tarde pra descansar e no meio dessa rotina capitalista, tenta mostrar que o capitalismo , o neoliberalismo e o individualismo, são armas das elites para nos manter na base da pirâmide social e étnica.

Quais as principais influências literárias para você Panda, e para a banda?

Panda Reis – Diversas mano, liricamente tudo que eu leio me influência de uma maneira ou de outra, todos os livros que eu já li, os que estou lendo, textos, sejam simples ou acadêmicos, teses de pesquisa na Academia, tudo que leio me inspira, mesmo que eu não goste ou concorde com o que eu leio, de alguma maneira me da combustível intelectual para pensar e criar.

E falando de música, quais são hoje suas principais referências e influências?

Panda Reis – Tudo que já escutei na minha vida , desde criança , vários estilos , pessoas e por aí vai … Sou um fã da música underground ( seja death , grind, hard core, rap, samba, musica africana, reggae, soul etc ), mas tudo que escuto eu presto atenção , mesmo que eu acabe odiando, mas eu escuto. Como baterista tenho três maiores influências, Pierre ( Cólera ), Igor Cavalera ( Sepultura ) e Dave Lombardo ( ex-Slayer, Suicidal Tendencies ), já como vocalista … Confesso que nunca me influenciei em ninguém do rock em específico, talvez seja um retalho de vários estilos da música mundial, que eu mal e porcamente tento alcançar rsrs , nem sou ou me considero um vocalista.

Quais nomes da música hoje você destacaria como boas revelações do cenário nacional?

Panda Reis – Tem uma molecada boa por aí , o que eu tenho prestado muita atenção nesse ano são xs meninxs do Punho de Mahim ,Inhuman Penitence, Black Pantera , Vazio, Profundezas, Extreme Agony e o VxMxR … caraio mano , odeio essas perguntas , pois tem uma porrada de bandas e sempre acabo esquecendo a maioria.

Voltando a falar da Quilombo,  este projeto tem um intuito mais social que musical? O que tu sente quando olha para as letras do EP? Orgulho, Ódio ou esperança?

Panda Reis – O social pode ser trabalhado através do musical , não vejo muita distinção disso no Quilombo, as letras que eu escrevo , não somente para o Quilombo, mas em todos projetos e bandas, eu sempre acho que poderia ficar melhor. Sinto uma sensação de desabafo mesmo saca ? Orgulho e ódio são sentimentos que foram destilados anos atrás, agora esperança eu sinto em tudo , tanto na música , como no social e humanitário, pois basta olhar para onde meu povo caminha , a maneira que estamos tomando nossa história e futuro para nós, só me da esperanças, meu povo está movimentando tudo em todas as esferas da sociedade, os Pretos e Pretas estão fazendo as periferias ferver fazem anos , e agora, finalmente , estamos invadindo em massa o underground , não que antes não estávamos inseridos e até criado alguns estilos , mas agora estamos tomando de assalto mesmo !!!!

Contatos para shows, merchan:

Panda Reis – Escreve pra gente no email : [email protected] ou entra em contato pelo Facebook da banda ( www.facebook.com/quilombometal ) e tem o Twitter também ( www.twitter.com/quilombodeath )

Qual a mensagem da banda para todos aqueles que se esqueceram ou fingem não ver o passado, onde o Brasil foi construído a base de correntes? E o que pode ser mudado para termos um país melhor?

Panda Reis – Mano, nenhum deles esqueceram , todos eles sabem exatamente o que aconteceu no passado, como foi construída nossa sociedade e nosso país , hipocrisia afirmar que exista um único brasileiro que não tenha pleno entendimento de exatamente tudo que ocorreu no nosso passado, todo homem branco se não foi favorecido diretamente pela estrutura escravagista ( através de seus antepassados ) , colheu frutos que essa sociedade deu para seus descendentes, seja com “bolsa imigrante”, seja com indenizações pós-lei áurea ou simplesmente usufruindo de toda a estrutura que o sistema deixou pronto ( queria discorrer mais sobre isso , mas o tempo aqui é curto ), então dizer que esqueceram , desconhecem ou qualquer coisa nessa linha é hipocrisia. Porém temos caucasianos que entenderam muito bem toda a desumanidade feita contra uma etnia, vários povos africanos e seus descendentes, e trabalham para reparar o erro genético e atuam vigorosos contra o racismo estrutural do nosso País, lado a lado com a gente, esses dão uma clara mensagem do que se deve fazer e deveriam servir de exemplos. Não acho que eu deva mandar mensagem alguma para os racistas, para aqueles que fingem não ver , pois nada do que eu ou outro Preto disser, será escutado ou compreendido, pois para eles somos inimigos, nos colocaram como culpados de seu próprio racismo, a culpa não é do Preto que te rouba, nem do que pede nos faróis , eles são vitimas de uma estrutura criada há séculos , um investimento errado, que gerou uma desigualdade tanto racial como social gritante, que seu racismo não os deixa ver que o maior mal da humanidade foi à escravidão do homem pelo homem, da discriminação levada às últimas consequências, e de um ódio incompreensivo que se tem contra toda uma etnia que foi sequestrada, maltradada, espancada , chicoteada , estuprada , assassinada com requintes de crueldade, largadas nas ruas do Impérios ( e depois da República ) para morrer de fome e abandonada, e que mesmo assim sobreviveu , e foi jogada para os subúrbios para não serem vistos e sim esquecidos e mesmo assim sobrevivemos e pior para os racistas , estamos aqui em pé de igualdade com todos, estamos aqui conversando olho no olho , no mesmo ambiente e com os mesmos direitos. Não tenho nada pra dizer para eles não , apenas que tenho pena de seus ancestrais , tenho pena de sua origem e de seu povo e que os perdoou.

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Cremo
Sejam bem-vindos ao meu mundo onde a música é pesada, a arte visual é uma paixão e a tecnologia é uma busca incessante pela excelência. Sou um aficionado por Death, Thrash, Grind, Hardcore e Punk Rock, trilhando os ritmos intensos enquanto mergulho no universo da fotografia. Mas minha jornada não para por aí; como programador e analista de segurança cibernética, navego pelas correntes digitais, sempre sedento por conhecimento e habilidades aprimoradas em um campo em constante mutação. Fora do reino virtual, vibro intensamente com as cores do Boca Juniors, e meu tempo livre é uma mistura de leitura voraz, exploração de novos lugares e uma pitada de humor. Seja nas areias da praia, nas trilhas das montanhas, acampando sob as estrelas ou viajando para terras desconhecidas, estou sempre pronto para a próxima aventura. E claro, não há nada que eu ame mais do que arrancar um sorriso do rosto das pessoas com minhas piadas e brincadeiras. Junte-se a mim nesta jornada onde a música, a tecnologia, o esporte e o entretenimento se entrelaçam em uma sinfonia de diversão e descobertas. E lembrem-se: Hail Odin e um firme 'foda-se' ao fascismo e ao nazismo!