Dia 1

Cheguei ao Bourbon por volta das 20h30 numa típoca noite gélida do inverno portuense. Ainda não conhecia o espaço e demorei um pouco para encontrá-lo: um galpão escondido, recuado, numa rua escura e vazia no Bonfim. Não havia sinais de qualquer evento nas imediações. Lá dentro, o frio se fazia sentir talvez até com mais força do que fora. Muito, muito frio. O palco, muito bem iluminado, aguardava as bandas do Not A Xmas Fest 2023, organizado pela Larvae Records. E o público chegava timidamente. Houve pouca adesão na primeira noite. A segunda seria bem mais preenchida e agitada.

Os primeiros a tocar foram os Vectis, black/thrash do Porto. Som rápido, riffs caóticos e solos ainda mais caóticos. Custava-me entender como os músicos conseguiam tocar os seus instrumentos se eu mal conseguia manusear a minha máquina fotográfica. Os meus dedos estavam congelados. O concerto de Vectis foi digno de ter merecido mais público na abertura do festival. Eles não desanimaram e executaram uma dezena de temas enérgicos e blasfêmicos.

Seguiu-se Grunt, um grind industrial cadenciado e performático na seara do BDSM e da depravação sexual. Por algum motivo, durante a sua apresentação só me vinha à cabeça imagens do filme Eyes Wide Shut e uma cena específica de Kiki e Horst em After Hours, embora a atmosfera da banda seja muito mais sombria. A (falta de) roupa da senhora que acompanhou a banda no palco durante todo o concerto, naquele frio, já parecia punição suficiente e calibrava o ar gelado e indiferente da depravação.


Com a ausência de Tarantula, a última banda da noite foi Pitch Black. Mesmo com os reiterados apelos do vocalista, o público seguia empacotado em roupa e timidez, e apenas uns poucos aproveitaram o poderoso thrash da banda para se aquecerem mais próximo ao palco. Apesar de ser uma banda veterana, foi a primeira vez que a vi ao vivo. Gostei tanto que passei os dias seguintes ao festival mergulhado em thrash metal como não fazia havia tempos. Foi uma apresentação demolidora, cheia de vigor e técnica. Do melhor que há em Portugal no gênero.

Dia 2

No segundo dia já havia bem mais público, embora o frio fosse o mesmo. E eu continuava fascinado com o trabalho de iluminação do palco, excelente para fotógrafos. Um acalento para quem está acostumado a fotografar quase sempre ambientes sem luz ou pobremente iluminados. Aquela iluminação eleva exponencialmente as possibilidades de fotografia em eventos musicais e eu não conseguia parar de fazer disparos.

A primeira banda da noite foi Capela Mortuária, oriunda do Poço (aka Braga). Um thrash apunkalhado, digamos. Pelo menos em atitude. Algo já mais próximo de onde me situo em termos de música pesada. O público já ia respondendo, a banda executou quase uma dezena de músicas e finalmente o ambiente já parecia mais aquecido.


Em seguida, os veteranos de Xeque-Mate, uma das pioneiras do metal em Portugal. Gosto de festivais que não temem em misturar gêneros e diversificar públicos. Lá estava o pessoal do grind e do thrash, mas também estava o pessoal mais antigo, dos primórdios do heavy. Foi um concerto longo e divertido em que não faltaram temas clássicos da banda e muito boa presença de palco. Já se sentia calor no Bourbon.


Quando Holocausto Canibal subiu ao palco, já não era mais preciso fazer apelos ao público. Finalmente desempacotado, ele já tinha aderido às hostilidades. Dezoito temas de goregrind foram desferidos sem grande piedade e causaram alvoroço. O Bourbon parecia outro local, bem diferente daquela arca frigorífica inicial.


Por fim, foi a vez de outra banda veterana: Sacred Sin. Death de Sintra e um concerto impecável, com técnica, energia, presença de palco e bastante público. É sempre melhor quando um festival ou uma noite de concertos termina no seu auge. Ainda que eu não tenha visto o derradeiro momento, já que tive de ir embora praticamente a meio de Sacred Sin, não me parece que o clima tenha voltado e ficar gelado. Não do ponto de vista meramente humano.

Parabéns à organização pela ousadia de fazer um festival às vésperas do Natal. E por mais palcos bem iluminados. Faz toda a diferença para a fotorreportagem.

Setlists:

VECTIS

Invocation
Satanic force
666
No mercy
Mark
Blasphemy of old
Leathem and metal
Warriors of hell
Evil possession

GRUNT

Relinquish control
With agony driving so deep
A valsa libitina
Piedade
The blackest suitors
Teratoid latex feudalist
Teased and tormented
Supreme rubbercore
Shemale
Goth girls don’t say no

PITCH BLACK

INTRO (instrumental)
Lost in Words
Beheaded
Enemy Siege
Built for the Kill
We’re in Command
Divine Not Human
Standards of Perfection
Unleash the Hate
Pitch Black
Thrash Metal Elite
And the Killing Ends
Disturbing the Peace

CAPELA MORTUÁRIA

Morto
Ordem
Estranho
Ego
Ódio
Imploro o caos
Pornocultura
Thrash faster

XEQUE-MATE

Rastejantes
Ritual
Não consigo manter a fé
Quase esqueci a tua cara
(Estes) cães que mordem
Escrava da noite
Até que a voz me doa
Ás do volante
Filhos do metal

HOLOCAUSTO CANIBAL

Ad bizarrem morem
Êxodo mortuoso
Epicédio madrigaz
Sinaxe do sepulcro tafófobo
Ancestrais ritos hipóxicos
Apresto executório
Aniquilação suídea
Ávida tragação
Congregação da flama felídea
Anátemas nefandos
Esquartejado em segundos
Prenúncio da vingança cavicórnea
Sangue
Infecção
Campas do negro breu
Grândolas da agonia profunda
Miasmas onanizantes
Sortilégio da perversão

SACRED SIN

Intro + Darkside
In the veins
Suffocate
Chapel
Gravestone
Monestary/Shades
Storms
Born
Ghoul
Comandos
Breaking the law
False deceiver
Vipers
Perish in cold ambers
Eyemgod
Seel of 9

 

Fotorreportagem completa:

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Juliano Mattos
Nascido paulistano, filho de uma portuguesa e um quase baiano, encontrei a redenção no percurso migratório inverso, em Aracaju, que me adotou aos cinco anos. Cresci na capital sergipana, até migrar aos dezoito para Portugal, onde atualmente resido na cidade do Porto. Também residi em Braga, Madrid, Cracóvia e Praga. Devido ao meu interesse pela fotografia, estudei inicialmente artes, mas logo ingressei no curso de Geografia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), onde me graduei em 2010. No ano seguinte, fiz uma pós-graduação em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território na mesma instituição antes de rumar a Praga, cidade que mudou a minha vida. De regresso ao Porto, tornei-me fotógrafo e trabalhei em eventos da vida noturna e em festivais de verão. Fui membro-fundador da Frente de Imigrantes Brasileiros Antifascistas do Porto (FIBRA) e desde 2018 sou responsável pelo projeto fotoativista Ativismo Em Foco. Tenho dois livros de poesia, Travessa das Almas (Corpos Editora, 2014) e Significância Em Escala Poética (2016), e um de ficção, que é uma espécie de «diário de bordo da quarentena», chamado Até Mais, E Obrigado Pelos Feixes (Kotter, 2021). Em 2019 iniciei um mestrado em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território (FLUP), com enfoque no Direito à Cidade, debruçando-me sobre a gentrificação turística, e fui investigador bolseiro no projeto «SMARTOUR – Turismo, alojamento local e reabilitação: políticas urbanas inteligentes para um futuro sustentável». De Outubro de 2021 até Julho de 2023 fui o fotógrafo residente na sala de espetáculos M.Ou.Co., no Porto, tendo fotografado quase uma centena de concertos, além de conferências, palestras, peças de teatro, etc.