Na passada segunda-feira, dia 24 de junho, o Hard Club do Porto recebeu um dos maiores nomes do stoner e rock psicodélico da atualidade. Os All Them Witches chegaram à cidade, após a passagem pela capital portuguesa, com a sua turnê europeia organizada pela Garboyl Lives, produtora do SonicBlast Fest.

Em pleno feriado de São João, uma das datas mais importantes da cidade, os portuenses mostraram que ainda tinham energia para mais uma festa e esgotaram os bilhetes para o concerto. Boa parte do público chegou cedo à casa, pois a expectativa era enorme e todos queriam estar no melhor lugar para o show. Claramente ninguém se importou com o tempo invulgar que tomou o Porto para a época veranil, um céu encoberto com névoa e muita garoa.

Jesus The Snake – Uma impressionante descoberta

Em meio ao som de sintetizador, riffs com muitos pedais e jam’s, o quinteto de Vizela subiu ao palco pontualmente às 21h30 e causaram logo uma ótima primeira impressão. Os Jesus The Snake iniciaram com uma música progressiva lenta, imersiva, cadenciada, em que foi possível ouvir cada instrumento de forma distinta e única.

Jesus The Snake no Hard Club Porto
Photo: @wow.l0vely | @culturaempeso

Ao longo do show, você não sabia onde terminava e começava a próxima música, no embalo dos acordes longos, psicodélicos e envolventes das músicas que compunham o álbum “Black Acid, Pink Rain”. O público estava atento e hipnotizado. Nos momentos mais agitados, via-se o público a balançar a cabeça ritmicamente ao comando da banda. O jogo de luzes e fumaça ajudavam a criar a áurea do ambiente. Por vezes as luzes mais fortes e claras em batidas aceleradas, por outras era com meia luz e fumaça que expressavam momentos de melodias mais introspectivas e suaves.

Totalmente instrumental, – e destaco que vocais são completamente desnecessários aqui – não sentimos faltar nada, pelo contrário, o que sobra é talento, sinergia entre o grupo, técnica e blues psicodélico da melhor qualidade. A sensação de ouvir Jesus The Snake é de estar levitando, sendo levado para outra dimensão. Souberam aquecer muito bem o público na atmosfera psicodélica que seria constante naquela noite.

Jesus The Snake no Hard Club Porto
Photo: @wow.l0vely | @culturaempeso

O grupo encerrou o espetáculo pouco depois das 22h00 com uma música com forte marcação do groove envolvente do baixo (uma das características mais marcantes da banda) e da bateria com muito uso dos pratos, com direito até a um breakdown. O público ovacionava em meio aos aplausos, completamente em deleite pelo que estiveram a ouvir nos minutos passados.

Breve pausa

Após a saída da banda de abertura a multidão se aglomerou o mais a frente possível, na expectativa de estar ainda mais perto do concerto mais esperado da noite. Os roadies ainda nem haviam terminado de preparar o palco aos norte-americanos e a plateia gritava e assobiava a qualquer indicação de movimento à frente. Quando as luzes se apagaram e começaram os primeiros acordes de uma música de abertura, e o piscar das luzes encarnadas, a plateia emudeceu.

All Them Witches – Um concerto transcendental

Precisamente às 22h40 foi possível ouvir a música “Pepper” da banda Butthole Surfers introduzindo a entrada da banda estadunidense composta pelo guitarrista Ben McLeod, pelo vocalista e baixista Charles Michael Parks, pelo baterista Christian Powers e pelo teclista Allan Van Cleave, que subiram em seguida ao palco e tomaram os seus lugares.

A primeira música foi “See You Next Fall”, do álbum Nothing as the Ideal, de 2020, em que o tecladista inicia com violino e em seguida assume os teclados. Assim como a banda anterior, os All Then Witches claramente escolheram usar as luzes para compor o ambiente do concerto, variando os tons claros e escuros à medida que música ondulava entre acordes graves de guitarra e a suavidade dos grooves de baixo acompanhados das notas suaves e longas dos teclados. A dissonância dos acordes de guitarra tocada com muita pedaleira e dedal para criar efeitos hipnotizantes e únicos eram a especialidade de McLeod.

Na sequência, a banda arrancou coros da plateia insandesida pela energia da bateria rápida e dos vocais fortes de um dos maiores hits do grupo “When God Comes Back”, do álbum Lightning at the Door (2013). Aqui deixo a observação que o nome adotado pela banda de abertura é mencionado na sua primeira estrofe: “Cut me up, primitive I’ll die like a slave / Riding on the wings of that Jesus snake”. Os fãns cantaram a plenos pulmões com o vocalista Parks, que conduzia a harmonia de muito blues da música com o seu baixo muito bem marcado, causando verdadeiros arrepios. O público, claro, foi a loucura ao final, ovacionando e aplaudiando muito a performance do grupo. Parks soltou até um “obrigado” em português.

All Them Witches no Hard Club Porto
Photo: @wow.l0vely | @culturaempeso

As seguintes músicas, “Enemy of My Enemy”, do álbum Nothing as the Ideal, e “Alabaster”, do álbum Sleeping Through the War (2017), foram agitadas, cheias de energia e fizeram o público pular. “Alabaster”, em especial, foi uma das mais dançantes da noite. A marcação da bateria não deixava ninguém parado. Onde se olhava na plateia todos estavam a dançar, ou ao menos a balançar o corpo ao som da música. O destaque foi para os acordes longos, dedilhados, com muita variação entre distorção e o som limpo das cordas da guitarra e para a sintonia clássica do teclado, que mostram a forte influência que a banda tem na psicodelia dos anos 70. Claro que aqui as luzes piscavam quase como uma discoteca.

A quinta música do setlist da noite foi o blues envolvente da “The Marriage Of Coyote Woman”, do álbum Lightning at the Door (2013). McLeod troca a guitarra para buscar uma afinação mais grave. Mais lenta, mas com marcações firmes nos pratos e no baixo, a canção fazia literalmente o coração disparar e bater no mesmo ritmo. Era impossível não ser tomado pelo efeito hipnótico do blues aqui. A sensação era verdadeiramente de uma viagem transcendental.

Antes de começar “Charles William”, do álbum Lightning at the Door (2013), mais uma troca de guitarra. A música, que conta com muitas variações e muito blues, começa com uma áurea lenta, luzes mais escuras e fumaça no palco. O teclado aqui é um dos pontos focais, criando todo um fundo sonoro. Quando o refrão chegou, teve um longo breakdown que levou o público à loucura, pois quando retoma, a bateria está ainda mais pesada, sendo tocada com mais agressividade, e a guitarra com acordes mais rápidos e intensos. A voz suave do vocalista é uma constante que contrasta em meio a tantas variações.

Com apenas algumas luzes focais e uma escuridão intrigante, “Diamond”, do álbum ATW (2018), começa. A penumbra de fumaça toma conta do palco, intensificando o clima de introspecção. Os teclado com afinação de órgão tem um destaque, disputando ao mesmo tempo que complementando os acordes de guitarra que vão crescendo ao longo da música. Quando o solo entra, já na penúltima parte da música, é impossível tirar os olhos do habilidoso guitarrista McLeod que parece ter o palco só para ele. A bateria começa a pulsar enquanto o público grita “hey” acompanhando a sua marcação.

A música “1×1”, também do álbum ATW (2018), entra em seguida como um estrondo, pois o volume do som é levado ao seu auge, com todos os instrumentos em uma potência sonora absurda e, ao mesmo tempo, em meio à agressividade stoner, todos os instrumentos parecem se fundir em uma mesma energia. Durante os vários breakdowns, a plateia parecia se confundir e reagir aos gritos em todas as vezes que pensavam que a música iria acabar, mas era retomada ao máximo novamente.

All Them Witches no Hard Club Porto
Photo: @wow.l0vely | @culturaempeso

Quase emendando na música anterior, “Fishbelly 86 Onions” começa e esta aqui é puro  rock n’ roll, mais agitada e com vocais acelerados e animados de Parks. O teclado de Allan Van Cleave com afinação clássica trouxe aquele tempero do rock psicodélico dos anos 70. As luzes no início eram delirantes, compondo toda a fúria. Ao meio da música, o guitarrista resolveu fazer o que faz de melhor ao longo do show, transbordar-se em riffs destoantes, dedilhados, com muita distorção e experimentação. As notas secas tocadas na bateria de Christian Powers eram rápidas e intensas.

Em “Blood And Sand / Milk And Endless Waters”, do álbum Dying Surfer Meets His Maker (2015), as luzes se tornaram púrpuras, dando o tom do ambiente junto aos riffs de guitarra que começam rápidos, mas logo ficam dinâmicos e mais suaves acompanhando as teclas do piano, até então explodir por instantes e logo voltar a uma leve calmaria, variando nessa dinâmica imprevisível de intensidade e suavidade. A banda estava visívelmente a se divertir no palco, Charles Michael Parks dançava enquanto dedilhava, como se estivesse em transe tomado pelo seu próprio som. Mesma sensação de delírio da plateia que não ficou nenhum segundo imune à sonoridade sem igual do conjunto. O guitarrista ficou minutos a dedilhar com os olhos fechados em um misto de concentração e prazer. Van Cleave seguia ritmizando como se estivesse em outra dimensão e Powers parecia que podia continuar naquele groove marcado por horas a fio.

De repente o guitarrista troca de bateria mais uma vez e já entra na melodia a dedilhar o novo instrumento como se nada tivesse acontecido e a música continua como se nada tivesse acontecido, emendando na próxima canção: “Montain”, do álbum Lightning at the Door (2013). Num blues, os vocais suaves de Parks conduzem a música hipnotizante, enquanto os riffs seguem com muita distorção e entre dedilhados e notas agudas carregadas de muito uso de dedal e pedaleiras. Van Cleave tem aqui o teclado como uma peça importante, pois a suavidade das notas do teclado sobressaiam aos longos acordes de guitarra e complementava brilhantemente o groove do baixo. A marcação da bateria aqui era simples, constante e intensa, conduzindo os movimentos de cabeça e do corpo de todo o público. A última parte da música se intensifica até culminar nas luzes se acendendo e a banda saindo de cena.

All Them Witches no Hard Club Porto
Photo: @wow.l0vely | @culturaempeso

Ninguém arrastou o pé do lugar depois que a banda saiu. Era como se negassem a acreditar que aquele espetáculo imersivo estava perto do fim. Em meio a gritos, a banda retorna timidamente para mais uma música, a intensa “Bulls”, do álbum Sleeping Through the War (2017). As luzes azuis tomaram o ambiente junto com a bruma de fumaça e a banda nos conduziu novamente na psicodelia única que vai desde momentos suaves até a aceleração final, em que a banda literalmente deixa toda o seu restante de energia no palco, bem como a plateia que batia a cabeça acompanhando a banda. Como um golpe final de acorde pesado e o toque seco da bateria, a banda finalmente se despede e sai do palco de vez.

Incrédulos ainda, o público demorou a dispersar, com algumas pessoas ainda a gritar e assobiar por mais. Os All Them Witches entregaram um show completo, revisitando hits de toda a história da banda, conduzindo o público em uma vibe psicodélica em que o rock progressivo e stoner é executado de forma singular, com muita competência, técnica, originalidade e energia. Não é atoa serem um dos maiores nomes do gênero atualmente. Para quem estava no local, restou a sensação de ter participado de uma viagem trancendental da música, hipnotizado por arranjos de arrepiar, emocionar, tirar o fôlego e pedir por mais.

Setlist da noite:

1 – See You Next Fall
2 – When God Comes Back
3 – Enemy of My Enemy
4 – The Marriage of Coyote Woman
5 – Diamond
6 – Charles William
7 – 1×1
8 – Alabaster
9 – Fishbelly 86 Onions
10 – Blood and Sand / Milk and Endless Waters
11 – Mountain
12 – Bulls (encore)

Fotos: Sofia Barros

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