Decorreu mais uma edição do Autumn Alive nos dias 25 e 26 de outubro, cortesia de ITP Promotions e Suspiria Records, na Sala Rebullon em Mos, Pontevedra, e que festa que se viveu nestes dois dias!
Começando por falar um pouco do espaço, e tendo sido esta a primeira vez que visitei esta sala, tenho a dizer que é perfeita para este tipo de eventos: bom som, bom espaço, bom palco, no geral, excelentes condições. Agora falando do que realmente importa, o cartaz desta edição de 2024 estava muito eclético, permitindo agradar aos fãs de música extrema com horizontes mais alargados, e esse triunfo foi verdadeiramente alcançado.
DIA 1
O dia 1 contava com SINISTRO, Hour-Glass, Unchosen Ones e Kratos. No entanto, por motivos de saúde, houve uma alteração de última hora e Kratos foram substituídos por Akarakan. Por um lado, fiquei triste pois realmente gostaria de ter tido oportunidade de ver Kratos, mas por outro, Akarakan foram uma excelente surpresa nesta edição. Quanto a Kratos, quem sabe se em 2025 teremos oportunidade de os ver no palco do Autumn Alive.
AKARAKAN
O festival arrancou então com Akarakan, confirmação de última hora, com um concerto que foi uma mistura entre nu metal e stand up comedy, no bom sentido.
Em termos estilísticos, este grupo apresenta riffs à nu metal, entre Korn, Slipknot e System Of A Down, com bastante peso e que se entranham em segundos. Destaque no guitarrista que apresentou muito bons solos e que os tocava com tanto conforto e alegria que até dava gosto de ver. Apresentavam ainda variações de ritmo imprevisíveis, o que tornava qualquer passagem surpreendente. Quanto à voz, o vocalista apresenta um timbre rouco mas forte, que fazia lembrar Phil Anselmo (Pantera) ou até mesmo Derrick Green (Sepultura) .
Devido a alguns problemas técnicos na guitarra do vocalista, foi necessário interromper um tema a meio e passámos muito rapidamente de um concerto de metal para um espetáculo de stand up comedy. O vocalista decidiu, durante o tempo de espera, contar piadas e o riso era o denominador comum na Sala Rebullon. É preciso saber lidar assim com estas situações e dou os parabéns por isso. Em vez daquele típico momento awkward que acontece nestas pausas, foram capazes de torná-lo num momento engraçado.
Problemas técnicos e comédia à parte, foi uma atuação vibrante, cheia de peso e envolvência com o público. Encerraram o espetáculo com um cover de “Roots Bloody Roots” de Sepultura, demonstrando de certa forma uma das influências do grupo, que já tinha sido visível no concerto.
UNCHOSEN ONES
De seguida, subiram ao palco os Unchosen Ones, banda que estava prevista tocar em terceiro lugar, mas que acabou por atuar em segundo lugar no alinhamento, trocando com Hour-Glass.
A atuação deste grupo foi uma perfeita representação da boa energia que as bandas de vigo transportam e vivem! O grupo de melodic heavy metal/ hard rock estava a jogar em casa e contaminou a Sala Rebullon de uma imensa energia.
O seu hard rock apresenta melodias criadas por sintetizador que permitem diferenciar bastante o seu estilo. O vocalista conta ainda com uma voz harmoniosa, segura, com fortes vibratos que tornam impossível descolar os olhos e ouvidos daquele palco.
Neste concerto apresentaram-se com um baterista substituto, pois o original encontrava-se aleijado (e a assistir à atuação), mas nem isso conseguiu interferir com a atuação cheia de confiança e segurança. A juntar ao seu estilo já caracterizado, existia ainda um toque progressivo em alguns dos temas, reforçando mais uma vez o fator diferenciador deste grupo.
De um modo geral, apresentam uma sonoridade que faz lembrar o hard rock dos anos 80, e cada um dos elementos é muito forte tecnicamente. Para fãs do estilo (e não só) muita atenção a esta banda. Se com apenas 4 anos de banda já estão neste nível, a expectativa é muito alta daqui para a frente!
HOUR-GLASS
Já a rondar as 22h40, chegou a hora do grupo de Ferrol, Galicia, subir ao palco para apresentar o seu groove/ metalcore. Estes 4 elementos transpiram técnica em cada uma das suas artes! Com bons solos, boas harmonias de guitarra, com uma excelente presença em palco, cheia de maturidade, não diria de todo que este grupo foi formado apenas em 2015!! Para além de tudo isto, ainda são profissionais em saber puxar pelo público e isso foi bem visível na Sala Rebullon.
Sem exagerarem nas melodias, utilizam-nas nos momentos e quantidades certas. O vocalista tem ainda uma versatilidade na sua voz que o permite fazer vozes limpas e berradas cheias de qualidade e segurança. Para além disso, o mesmo ainda é o protagonista em vários dos solos de guitarra.
Foi uma atuação brilhante na minha opinião. Recomendo a 200% este grupo aos fãs de Bullet for My Valentine e Killswitch Engage, prometo, vão sair muito surpreendidos.
A atuação terminou com um cover de Gojira, “Born for One Thing” e acho que foi o melhor cover de Gojira que alguma vez vi. E todos sabemos o quão difícil é estar à altura destes senhores que são os reis da técnica no mundo do groove/progressivo/death. Pois bem meus senhores, os Hour-Glass conseguiram-no com o maior êxito! E assim, demonstraram mais uma vez o quão fortes são tecnicamente.
Parabéns aos Hour Glass por esta brilhante atuação e certamente irei acompanha-los daqui para frente. Aos nossos leitores, aconselho a fazerem o mesmo.
SINISTRO
Já a passar da meia noite, chegou o momento mais ansiado. Os Lisboetas Sinistro, ainda antes de iniciarem a atuação, já tinham conseguido criar o ambiente sinistro desejado (perdoem a redundância) através da música que tocava na sala, na pré atuação.
Vai ser muito difícil expressar por palavras o que foi a atuação deste grupo pois penso que nenhuma palavra consegue caracterizar bem esta experiência. Mas tentarei…
A banda de sludge/doom/post-metal criou um estilo muito próprio desde os seus inícios em 2011, quando a banda foi formada. À medida que foram passando os anos, foram amadurecendo a sua sonoridade e aprimorando algumas características: iniciaram como banda sem voz, apenas instrumental, passando a fazer colaboração com Patrícia Andrade, e mais recentemente, reapareceram com uma nova vocalista, Priscila da Costa, que tem vindo a conquistar os corações dos fãs mais antigos da banda, e ainda a conquistar novos fãs. Portanto, estamos a falar de uma banda experiente, mas sempre com algo novo a apresentar.
É a primeira banda (pelo menos que conheço) a misturar algo tão português como o Fado, com o mais pesado e lento do doom/sludge. Misturando os dois elementos, temos algo tão genuíno, tão emocional, tão belo, que são os Sinistro. Se em álbum já ficamos com pele de galinha, então ao vivo nem se fala. Desde a expressividade GIGANTE da vocalista na sua voz, na sua expressão facial e corporal, até à criatividade e qualidade do instrumental, tudo funciona numa simbiose que, honestamente, nem parece real de tão harmoniosa ser.
Ao longo do concerto, viajaram pela carreira da banda, desde o mais antigo album Sinistro, editado em 2012 até ao mais recente trabalho, lançado a 5 de Outubro deste ano, Vértice.
Iniciaram a viagem com o tema “Partida” do segundo álbum de estúdio Semente (2012). Esta música arranca com um riff cheio de peso que se entranha imediatamente por todas as nossas células e dá logo um cheirinho do que aí vem a quem ainda não conhecia esta banda. Seguiram a viagem com o tema “Abismo” do terceiro trabalho da banda Sangue Cássia (2018). Este tema tem particular valor na sua parte final, com uma prestação deslumbrante do baterista Paulo Lafaia. Seguiu-se o tema “Elegia” do mais recente álbum e a curiosidade de o ver ser interpretado ao vivo era muita, assim como a expectativa. E o resultado é incrível, tem tanto de perigoso como de desconcertante, mas fala diretamente às nossas almas. E mais uma vez, uma performance vocal fora deste mundo. Seguiu-se o tema “O equivocado“, também do mais recente trabalho da banda, e não há palavras simplesmente. Que obra prima que este tema é, e sinto necessidade de dar especial ênfase às spoken words por parte da vocalista, onde a melancolia se instalou na sala a 200% e o peso emocional quadruplicou. “Pontas Soltas“, também do mais recente álbum tem um crescendo brutal, que funciona muito bem ao vivo. Quando parece que não dá para crescer mais, cresce na mesma e este tema apresenta um final desastroso em termos de soturnidade,
Já perto do final, voltamos à era de Semente e o tema “Relíquia” foi interpretado, seguindo-se “A Ira“, o primeiro e único tema instrumental que remete aos primórdios da banda quando ainda não havia voz. Aqui, Priscila pega na sua guitarra e acompanha os restantes membros nesta viagem a 2012. Este tema teve particular importância neste concerto pois mostra que, por muito mágica que a voz da vocalista seja (e acreditem que é), são igualmente fortes e criativos na composição instrumental.
Contaram-nos uma história profunda e intensa sem precisar de palavras, e embora este tema tenha 10 minutos, passou num abrir e fechar de olhos. Simplesmente mágico…
Para terminar, o tema “Templo das Lágrimas ” que encerra o album Vértice foi protagonista da viagem mais melancólica e dolorosa… No fundo do palco, o texto “em memória de Jorge Correia, Vitor Lafaia e Mário Ayres” aparece e o aperto nos corações até das mais frias almas é inevitável. A melancolia e luto transmitido pelos elementos é contaminante e a arte da sua música espalha-se mais uma vez pela sala, e todos nos tornamos num só. O climax do concerto foi aqui atingido.
Os Sinistro são uma das melhores bandas portuguesas e esta atuação foi mais uma prova disso. Este novo álbum e alinhamento poderá mesmo ser a rampa de lançamento mundial dos Portugueses. Talento, criatividade, originalidade e profissionalismo não falta, isso é certo!
E com esta atuação assombrosa foi encerrado o primeiro dia do Autumn Alive Fest 2024. Apesar dos imprevistos que possam ter ocorrido, tudo acabou por funcionar às mil maravilhas, num ambiente familiar, a usufruir daquilo que mais nos une: a música!
Agradecimentos à ITP Promotions e Suspiria Records, e que venha o dia 2!