Viveram-se dias e eventos estranhamente memoráveis em Portugal, nos últimos dias do mês de Abril. O tão ansiado regresso dos Suecos Ghost a palcos portugueses pode ser considerado um verdadeiro milagre, tal como o próprio Tobias Forge mencionou, e um milagre que nunca mais será esquecido na mente dos fãs.
Após o apagão que meteu toda a península ibérica às escuras durante várias horas, que resultou em muitos ataques de pânico por parte dos fãs da lendária banda Sueca, na espera ansiosa por saber se o concerto de Ghost no dia seguinte seria afetado, posso afirmar que não poderia ter corrido melhor! Todos estes infortúnios permitiram que, uma experiência que já seria marcante e inesquecível, se torna-se ainda marcante. Durante o apagão, e após várias horas de espera, a promotora Everything Is New tranquilizou os corações dos fãs pelas 22h do dia anterior ao concerto: vai acontecer!
No tão ansiado dia 29 de abril, última terça feira do mês, já pela manhã, viam-se filas à porta do Meo Arena com centenas de fãs vestidos a rigor para aquilo que viria a ser um dos espetáculos mais memoráveis das nossas vidas. As horas foram passando quando, às rigorosas 18h30 as portas se abrem e os fãs da banda Sueca entram no recinto, sendo privados dos seus telemóveis. Aquilo que assustou muita gente previamente, ao lerem as letras pequenas “será uma experiência sem telemóveis”, acabou por ser uma das melhores decisões a ser tomada pela banda!
Caro leitor, se tal como eu, nunca tinha estado num concerto sem a presença destes dispositivos dominantes e obrigatórios na vida quotidiana, deve estar, tal como eu, deslumbrado com a experiência. Olhar para o palco sem ter estes ecrãs luminosos à frente, apenas viver o momento e registá-lo no disco rígido mais poderoso que existe, que é o nosso cérebro, só tornou estas horas ainda mais intensas. Se, pelo contrário, ainda se lembrava do que era ir a um concerto sem estes ditos dispositivos, certamente a nostalgia de tempos mais longínquos o contaminou, permitindo quase uma viagem no tempo. Tendo tudo isto dito, só temos a agradecer aos Ghost por ter incentivado tal possibilidade!
Passando agora ao concerto, uma gigante cortina preta cobria o majestoso palco dos Suecos, criando uma sensação de ansiedade profunda que ainda foi mais intensificada quando a introdução do tema Peacefield – tema que abre o novo álbum Skeletá, recém lançado no passado 25 de abril – inicia. Esta introdução é simplesmente perfeita para abertura do concerto de Papa V Perpetua e os seus Nameless Ghouls, e a cada momento de silêncio que aparecia pelo meio deste coro, só fazia com que a ansiedade do público crescesse mais e mais. Após longos minutos, finalmente ouvem-se os pratos da bateria e a guitarra que arranca com este tema divinal. Mas só quando chegamos ao refrão é que a cortina cai e o público é levado à loucura! Agora sim, era real! Nós estávamos mesmo a ver os Ghost a atuar à nossa frente!
O segundo tema escolhido do alinhamento é também de Skeletá e segue o seguimento da própria obra – Lachryma, o segundo tema do álbum. Esta música é alimentada por um riff bem pesado mas com um refrão e melodia que facilmente se entranha no nosso cérebro. Uma música que soa, sem sombra de dúvidas, a Ghost, e que certamente se tornará um dos clássicos da banda. Por muito recente que o lançamento desta faixa seja, já todos os presentes a sabiam de traz para a frente, e isso foi visto pelo uníssono vivido durante toda a faixa.
Depois desta abordagem ao novo álbum, viajamos no tempo para Meliora (2015) com o tema Spirit. A vibe macabra desta música é deslumbrantemente arrepiante, e também por isso, Spirit, juntamente com a música seguinte do alinhamento, From The Pinnacle To The Pit, são dois dos temas mais marcantes desta magnífica obra! E com a interpretação destes dois temas foi possível contemplar a incrível qualidade técnica dos Nameless Ghouls, que me arrisco a dizer ser a mais forte tecnicamente de sempre!
Após esta viagem a 2015, tivemos a prova que o carisma não se foca apenas no lendário líder da banda, Tobias Forge. Um dos Nameless Ghouls (guitarrista) presenteou-nos com um momento de pura intimidade e diversão, incentivando o público a gritar com todas as forças enquanto os restantes elementos da banda se ausentavam do palco.
Após o regresso dos membros da banda, os fãs da obra Impera (2022) que ainda não ultrapassaram a dor da tour de promoção deste álbum não ter passado por Portugal, foram presenteados. Call Me Little Sunshine, um tema que segundos após o seu lançamento já tinha recebido a sentença de ser um novo clássico da banda, foi interpretado e extremamente bem recebido. Mais uma vez, o público delirou e esgotou as cordas vocais, cantando o seu lírico do início ao fim.
Future Is A Foreign Land, single do filme “Rite Here Rite Now” foi o sexto tema do alinhamento do concerto e seria uma “facada” se não constasse no mesmo. Este tema tem tudo – melodia orelhuda e penetrante, uma letra introspetiva com uma mensagem potente, receita da casa da banda, e um crescendo grandioso que mete os fãs mais difíceis com pele de galinha. Esta música, com uma vibe mais sentimental, toca nos corações até das pessoais mais frias. Uma masterpiece!
De volta a Meliora (2015), Devil Church marcou a transição do espetáculo para um ambiente mais dark, seguindo-se Cirice, seguramente, um dos melhores temas dos Suecos! Cirice ficará para sempre no alinhamento de Ghost, venha o que vier. Com o seu riff viciante, os seus solos de guitarra apaixonantes e super bem interpretados pelos Nameless Ghouls, a melodia de teclado litúrgica e a incrível prestação vocal de Tobias Forge, não há como ultrapassar a interpretação deste tema.
Voltamos a Impera (2022) com uma faixa mais leve em termos de melodia, mas que não se pode dizer o mesmo liricamente. Darkness At The Heart Of My Love pôs toda a gente a estalar os dedos e a cantar. Foco especial no final deste tema, quando os membros da banda saem do palco mas o público continua a cantar em uníssono o refrão. Arrepiante, mágico!
E voltando a Skeletá (2025), não poderia faltar uma das faixas mais marcantes do álbum – Satanized. Mais uma vez, uma faixa recentemente lançada, mas analisando a adesão do público, ninguém o diria. Mas logo de seguida, a longevidade dos fãs presentes no recinto foi posta à prova com a interpretação de Ritual, tema da obra de estreia dos Suecos– Opus Eponymous (2010). As dúvidas foram tiradas: seja qual for a idade, todos receberam esta faixa com extrema euforia comprovando a entrega dos fãs à banda e a todas as suas obras.
A decisão da faixa seguinte permitiu acalmar um pouco os ânimos, não pela falta de qualidade da mesma, mas porque Umbra tinha sido lançado apenas 4 dias antes da data (sendo um deles, o dia do apagão). Querendo isto dizer que os fãs ainda não tiveram tempo de maturar a mesma. Mas esta música é, na minha opinião, incrível! O cowbell presente na mesma marca pela diferença e o refrão combinado com os teclados grandiosos, resultam na perfeição! Temos ainda solos de teclado e guitarra que demonstram, mais uma vez, a qualidade técnica destes Nameless Ghouls. Um tema que com mais tempo para ser maturado na mente dos fãs, teria resultado numa euforia à semelhança de todos os anteriores.
O que vem a seguir? Algumas das faixas mais fortes de toda a carreira de Ghost. Começando por Year Zero do álbum Infestissumam (2013) que deu origem a um dos momentos mais marcantes do concerto que é impossível expressar por palavras. Quem conhece o tema, não poderia esperar outra coisa. Segue-se a faixa que permitiu atingir o clímax da emoção de todo o espetáculo- He Is (2015). Mal os primeiros acordes de guitarra são interpretados, uma onda de sentimentos que nem sei bem decifrar quais são, inundou o Meo Arena. Esta é uma daquelas músicas que, por muito boa que seja em álbum, é ainda melhor ao vivo, com milhares de pessoas a acompanhar Tobias nos vocais. Simplesmente mágico!
Deixamo-nos agora de baladas e passamos a um dos temas mais energéticos- Rats de Prequelle (2018) trouxe uma vibe mais frenética e dançável novamente ao recinto do Meo Arena, e Kiss The Go-Goat deu continuidade. Foram momentos em que fomos buscar energia não sei bem onde, após um longo dia, mas com estas músicas não se tornou tarefa difícil.
Já próximos do fim, Mummy Dust (2015) provocou um headbanging comum. Uma faixa com um riff de peso, um carisma de certa forma sexual, e uma sinistralidade associada contagiante. Voltamos a Infestissumam com Monstrance Clock (2013) e o seu hino e melodia, mais uma vez, sombria e sinistra. O refrão não poderia representar melhor o que ali se viveu: “Come together, Together as one, Come together, For Lucifer’s son“. E durante o encore, não se fez silencio na Sala Tejo. Enquanto o palco estava vazio, o público continuou a cantar estes versos com a maior das intensidades! Mais um momento arrepiante para juntar à coleção que já ia bem longa por esta altura.
Após o encore, as 3 músicas escolhidas foram os 3 maiores êxitos da banda até à data e não poderia ser de outra forma para levar o público à loucura pela quinquagésima vez naquela noite. Mary On A Cross (2019), Dance Macabre (2018) e Square Hammer (2016) encerraram em grande aquilo que foi um dos melhores concertos das nossas vidas. Com o seu hard rock dançável e lírico penetrante e orelhudo, deixamos o que restava das nossas almas e corações ao som destes 3 temas que para sempre ficarão marcados na história da música extrema.
Ghost ainda permanecem no palco durante vários minutos após o final do concerto, a agradecer ao público todo o carinho e devoção que temos, numa demonstração de humildade, mesmo vinda de uma banda da dimensão de Ghost. Os fãs não conseguiam acreditar naquilo que tinha acabado de acontecer e eu ainda hoje não acredito.
Tal como Tobias disse logo no início do concerto, foi de facto um milagre o mesmo ter acontecido. Toda a experiência sem telemóveis que impossibilitou o público de capturar qualquer imagem ou vídeo, permitiu, paradoxalmente, eternizar ainda mais este espetáculo. Num mundo tão saturado e dependente destes mini dispositivos, a ausência dos mesmos permitiu uma experiência mais genuína, autêntica, mais intensa e refrescante. Todos estávamos sintonizados no mesmo ponto, a viver com a mesma intensidade e paixão aquilo que nos uniu durante 2 horas- a música- e o mundo lá fora deixou de existir.
Só me resta agradecer aos Ghost por não terem deixado Portugal de fora desta experiência, à Everything Is New por ter tornado tudo isto possível e ainda a todo o staff envolvido. O dia 29 de Abril ficará para sempre marcado nos nosso corações!
Alinhamento: 1- Peacefield; 2- Lachryma; 3- Spirit, 4- From The Pinnacle To The Pit; 5- Call Me Little Sunshine; 6- The Future Is A Foreign Land; 7- Devil Church; 8- Cirice, 9- Darkness At The Heart Of My Love; 10- Satanized; 11- Ritual; 12- Umbra; 13- Year Zero; 14- He Is, 15- Rats, 16- Kiss The Go-Goat; 17- Mummy Dust; 18- Monstrance Clock; Encore; 19- Mary On A Cross; 20- Dance Macabre; 21- Square Hammer.