Cheguei ao Barracuda às 22h daquela noite de Sexta-Feira para o evento promovido pela CVLTO que celebrava o lançamento do split Visions of War/Simbiose. À entrada, encontrei alguns membros de Dokuga e Simbiose à espera de que se abrisse a porta. A nossa conversa pautava a chuva que há semanas não dá tréguas no Porto. Aos poucos o público foi chegando: uns crusties molhados que aos pares iam surgindo no escuro. Alguns saíam dos estabelecimentos ali da própria Rua da Madeira junto à Estação de São Bento.

A porta foi aberta em seguida. Por volta das 23h o espaço já se encontrava bem preenchido e Dokuga foi a primeira a tocar. Enquanto eu tentava fotografar sem ser golpeado pelo público não muito numeroso mas bastante agitado, vários momentos da banda iam sendo apresentados, começando com músicas mais recentes do registo ao vivo gravado ali mesmo no Barracuda ou do split com Vai-Te Foder, ambos de 2020, e passando pelo split com Motornoise (2009). As músicas do LP (Dokuga, 2015) só aparecem a partir da metade do concerto, que é finalizado com duas músicas da demo de 2007. Antes delas, porém, foi tocada «Glória ao Vício», que teve um videoclip gravado e editado pelo meu irmão Ivan Mattos em 2014 durante o festival Chupa na Banana!, na saudosa Casa Viva. Bateu aquela nostalgia. Dokuga é parte da paisagem underground do Porto, é banda sonora dessas noites vadias e chuvosas.

Os próximos no palco eram os Simbiose, e começaram a descarregar toda a sua fúria por volta da meia-noite. Formada em 1991, a banda lisboeta foi mudando de formação mas mantém-se como um expoente de peso na ponte entre o crust/grind e elementos mais metaleiros. Tive a oportunidade de vê-la (e fotografá-la) inúmeras vezes, inclusive no Obscene Extreme em 2013.

Desta vez, Jonhie e cia dispararam um repertório rápido, cru e sempre engajado, com breves comentários políticos na introdução de algumas músicas e uma mensagem falada em favor da libertação da Palestina a meio do concerto. Começaram com temas do álbum Evolution? (2007), passando pelo Economical Terrorism (2012) e pela sua fase mais crua com três músicas do primeiro LP, Naked Mental Violence (2002), que remete à altura em que os ouvi pela primeira vez. Depois seguiram-se temas do recém-lançado split com Visions of War, do Banalization of Evil (2019) e do Trapped (2015), até o concerto encerrar-se com uma corda partida do guitarrista num momento em que a lente da minha câmera estava toda embaciada pela humidade dos corpos suados que se acotovelavam. Infelizmente não foi tocada nenhuma música do Bounded in Adversity (2004), um dos meus cinco álbuns favoritos de crust a nível mundial. Fica para a próxima!

Por fim, os veteranos belgas de Visions of War, banda que eu também já conhecia bem pelas minhas andanças em festivais no leste europeu. O setlist foi tão caótico quanto o próprio quarteto costuma ser, misturando sons dos seus diversos splits e de «lost tapes» sem aparente ordem de ano ou de fase. Foram emendando tema após tema, crus, rápidos e curtos, enquanto o vocalista saciava-se de cerveja e erva como se fosse parte da plateia. Nos momentos derradeiros, eu já havia perdido uns dois quilos só pela esforço de tentar acertar a focagem e manter-me fisicamente intacto naquela escuridão húmida enquanto algumas pessoas voavam à minha volta. Como repetia o vocalista, curto e direto quando anunciava a temática de alguma música, «this is Visions of War».

A festa continuou até ao amanhecer com o DJ Ruidoom comandando o habitual baile das madrugadas do Barracuda.

Setlist de Dokuga

1. Tudo me mete nojo
2. Trapos (1 e 2)
3. Wizz Wizz
4. Fantasy Island
5. Burros do caralho
6. Esquecido
7. Trapos (3 e 4)
8. Velha senhora
9. Estas ruas
10. Horror ao vazio
11. Guts not glory
12. Cada vez menos
13. O momento
14. Caminho do mal
15. Glória ao vício
16. Porco
17. Manchas de sangue

Setlist de Simbiose

1. Pointless tests
2. The lone death
3. Total descontrol
4. Drowning in shit
5. Fake world
6. O seu lugar
7. Zoo não lógico
8. Ditaduras
9. Blind lead the blind
10. Intolerante à intolerância
11. Banalization of evil
12. Ignorância coletiva
13. Trapped
14. Modo regressivo
15. Será que há morte depois da vida?

Setlist de Visions of War

1. Subject
2. Bombarded to shit
3. New reign
4. Love/hate
5. Beyond
6. Rot
7. Live in misery
8. End of suffering
9. Dead nothing
10. Fucking choice
11. Lit
12. Bury the confusion
13. Doom & gloom
14. Disfunction
15. Bulldozer
16. Found & empties

 

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Juliano Mattos
Nascido paulistano, filho de uma portuguesa e um quase baiano, encontrei a redenção no percurso migratório inverso, em Aracaju, que me adotou aos cinco anos. Cresci na capital sergipana, até migrar aos dezoito para Portugal, onde atualmente resido na cidade do Porto. Também residi em Braga, Madrid, Cracóvia e Praga. Devido ao meu interesse pela fotografia, estudei inicialmente artes, mas logo ingressei no curso de Geografia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), onde me graduei em 2010. No ano seguinte, fiz uma pós-graduação em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território na mesma instituição antes de rumar a Praga, cidade que mudou a minha vida. De regresso ao Porto, tornei-me fotógrafo e trabalhei em eventos da vida noturna e em festivais de verão. Fui membro-fundador da Frente de Imigrantes Brasileiros Antifascistas do Porto (FIBRA) e desde 2018 sou responsável pelo projeto fotoativista Ativismo Em Foco. Tenho dois livros de poesia, Travessa das Almas (Corpos Editora, 2014) e Significância Em Escala Poética (2016), e um de ficção, que é uma espécie de «diário de bordo da quarentena», chamado Até Mais, E Obrigado Pelos Feixes (Kotter, 2021). Em 2019 iniciei um mestrado em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território (FLUP), com enfoque no Direito à Cidade, debruçando-me sobre a gentrificação turística, e fui investigador bolseiro no projeto «SMARTOUR – Turismo, alojamento local e reabilitação: políticas urbanas inteligentes para um futuro sustentável». De Outubro de 2021 até Julho de 2023 fui o fotógrafo residente na sala de espetáculos M.Ou.Co., no Porto, tendo fotografado quase uma centena de concertos, além de conferências, palestras, peças de teatro, etc.