Na última noite de sábado, o lendário Garage GrindHouse, templo sagrado da música extrema carioca, foi palco de um ritual sonoro que rasgou o véu da normalidade o Revolta HC Fest. O evento não foi apenas um show, foi um manifesto de resistência, brutalidade e irmandade. Um verdadeiro desfile de caos orquestrado que incendiou os pilares do punk hardcore e grindcore. Quem viveu, sabe: foi o puro suco da revolta underground. Marcado para as 19h, o evento começou por volta das 20h o que, convenhamos, é tradição carioca e, nesse caso, apenas potencializou o clima de reencontro entre os fiéis da cena. O tempo “perdido” foi compensado com conversas, abraços, cerveja quente e a sensação de estar em casa. O Garage pulsa nostalgia, suor, mofo e história, e nesta noite, estava mais vivo do que nunca.


A missão de abrir a noite ficou com a banda Fardo, que não economizou na violência. Com um hardcore encorpado, violento e crítico, a banda transformou o espaço num campo de batalha. Os moshpits surgiram instantaneamente, puxados por fãs que berravam cada verso com a alma. O set foi uma verdadeira pancada atrás da outra, destacando a insanidade rítmica de “Fracasso”, com blast beats de cair o queixo, e a fúria contida de “Não Fala Comigo”, que mesmo com seus 30 segundos, soou como um estouro de granada no peito. Fecharam com “Desmontar” um encerramento que não deixou ninguém de pé, no melhor dos sentidos. Fardo é mais que promessa se estabelece como uma ameaça real ao conformismo musical.

Após a onda de brutalidade do Fardo, foi o momento de esfumaçar o espaço com o Weed Punk do Korja. Banda ervoafetiva já conhecida no cenário underground carioca. Como sempre o Korja entregou seu punk dançante, que não deixou ninguém parado dentro e fora do mosh. Entregando uma sonoridade direta ao ponto com muita qualidade em sua execução, trazendo um punk direto e descontraído em suas letras, que abordam de inúmeras formas o uso da cannabis, trazendo reflexão e critica social de forma acessível e ralmente muito dançante. A banda abriu com “Rei Da Bongada” seguindo com “T.H.C” que fez o garage todo cantar, seguindo com “Taca fogo”, “Semente Saquarema” e “Teto Preto” parafraseando o vocalista Diego : “Quem nunca”. “Prensado”, “Livre Pra Fumar” e “Tá Na Mente” se destacaram no meio do show. Em momento algum o público parou de pular, dançar e cantar junto principalmente em “Punk Rock Maconheiro” que reverencia toda a beleza da simplicidade do Punk em sua composição musical e lírica. A apresentação do Korja foi um momento de divertimento e muito mosh dançante, em meio ao caos do hardcore, sendo exatamente o que precisávamos para se preparar para o que estava por vir.

Se Fardo foi o soco direto, Litrão foi o desespero arrastado no asfalto. Com um sludge/doom arrastado e perturbador, a banda trouxe um clima opressivo, sujo e visceral. Guilherme Kirk no vocal é um espetáculo à parte, guturais que beiram o colapso emocional, presença de palco animalesca, olhos vazios como um poço de culpa. A porrada veio em forma de gritos de “Apodrecer” e “Fardo Eterno”, faixas que pareciam invocar o fim do mundo. Corpos colidiam, o ar pesava. Havia ódio, sim e também havia beleza. Litrão transforma miséria em arte, e nos deixa gratos por sentir dor coletiva.

Assim como o Litrão, outra banda transformou miséria e dor coletiva em arte e mensagem. o Norte Cartel. Trazendo seu Hardcore direto ao ponto não apenas na sonoridade que apresenta bastante nuances dentro do gênero, mas principalmente nas letras, que abordam críticas sociais de quem vive de maneira lúcida a divergência de classe no Brasil. O show começou com “Romper” e “Olhos Abertos”, seguindo para “Sangrar e Morrer” e “Quando um é por todos”. “De Sul ao Norte” veio pra explodir o Garage em moshs seguida por “Família”, “Eu sou a Guerra” e “Agora e sempre”. A banda então tocou ao vivo seu último single lançado esse ano “Derrubem os Reis” que foi seguida por “Camponês”, “Dor por dor” e o show foi encerrado de maneira magistral com “Beber até Morrer” que deixou todo mundo muito bem encaminhado para o último show da noite. O Norte Cartel segue como um importante nome para o cenário hardcore carioca e brasileiro.

E então veio Paura. Lenda viva. Três décadas de militância sonora e postura inquebrantável. A espera foi recompensada com um show intenso, técnico, consciente e avassalador. Abriram com “Urban Decay” sem cerimônias, sem aquecimento. Foi direto no fígado. Na sequência, “In the Desert of Ignorance” destruiu tudo ao redor, seguida por “Time Heals no Wounds”, com refrões que foram cantados com tanto fervor que o microfone virou apenas detalhe. Intercalando as faixas com samples de Racionais MCs e Sabotage, Paura construiu uma ponte entre o hardcore e o rap nacional, provando que a subversão não tem gênero musical, tem consciência de classe. Fábio Prandini é uma entidade. Sua voz, sua presença e seu discurso são alimento e munição.
Paura não apenas tocou eles ensinaram. E todos ali aprenderam.

Obrigado a todos os envolvidos: @hobbitproducoes,@Paurahardcore, @nortecartel,@korjaoficial,@fardo.hc,@litraosludge

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