O rock, como diversas outras esferas sociais, não é, e nem nunca foi, um ambiente acolhedor para as mulheres. Não raro, roqueiras precisam se empenhar mais para provar que são tão ou mais melhores artistas do que os homens em todos os espaços que o gênero ocupa, seja no underground ou no mainstream, seja compondo ou empunhando guitarras distorcidas. Mas calma: umas barreiras legais estão sendo rompidas, de Santa Catarina para o mundo. Ainda bem.
Esse sentimento de alívio rola quando você conhece as garotas da Dirty Grills, um duo formado em 2021, em Florianópolis (SC), em pleno caos pandêmico. A banda conta com Jéssica Gonçalves (guitarra e voz, à direita) e Mariel Maciel (bateria), e tem se consolidado cada vez mais no cenário autoral underground catarinense e nacional.
Como foi dito, as Dirty Grills foram ‘crias’ da pandemia. O período foi fértil para muitos artistas, a exemplo dos Ratos de Porão, que lançaram seu Necropolítica fazendo uma dura críticas sociais à crise política, social e humanitária que o Brasil enfrentava e ainda enfrenta, o que costuma gerar um sentimento bastante genuíno e tipicamente roqueiro: a raiva.
Em entrevista recente, Jéssica e Mariel confirmaram:
Quando as coisas estavam mais calmas (na pandemia), a gente se juntou para fazer um som junto, porque senão ia pirar. Demos sorte de ter acesso a um estúdio de um amigo e extravasar. Era tanta coisa acumulada que a cada ensaio saía uma música nova. Fizemos um monte de música num espaço curtíssimo de tempo e foi muito natural, ‘vomitado’, mesmo. (…) Sem dúvida, bastante raiva veio daí. A gente é na base da raiva mesmo, amor e raiva”, disseram elas, em sintonia, lembrando que já tocaram juntas e separadas anteriormente em outras bandas na cena alternativa catarinense.
O resultado desse período supercriativo pode ser ouvido no EP “Faz teus corre, irmão“. Desse trabalho, também surgiu o clipe da música Ao Menor Sinal de Autodepreciação Aperte o Botão de Pânico, lançado recentemente em parceria com a produtora Casagrito de São Paulo, “num cenário caótico e subversivo, condizente com o que a música representa”. Neste caso, o título da música está em português, mas a letra é em inglês.
Influências – Agora que você já conhece o som das Dirty Grills, deve ter notado a influência da cena independente dos anos 90, ao estilo garage-punk, enraizado em diversas vertentes do rock como grunge, garage, punk e stoner. Dessa época, elas citam L7, Hole, Sonic Youth, Breeders, Bikini Kill, Distiller, Queens of the Stone Age, Nirvana, Wipers, entre outras. Da atualidade, dizem curtir Amyl and the Sniffers, Die Spitz, Stove, Warpaint, e por aí vai. Já das bandas brasileiras, elas citam Budang e a Exclusive e os Cabides, Themonic, Cigarras, Wi-fi Kills, Replicantes, Space Rave e muito mais.
Nesse sentido, impossível não associá-las ao movimento noventista em resposta ao sexismo na indústria musical, as Riot Grrrl, que trouxe um novo direcionamento para a atuação das mulheres no rock, com produção de fanzines com ideais feministas e incentivo para que outras mulheres montassem suas próprias bandas. O movimento absorveu do punk rock os ideais “Faça você mesmo” (Do it yourself) e incentivou artistas a correrem atrás de forma independente, sem ter que recorrer à grande mídia ou à renomadas gravadoras, numa era pré-internet.
Já as letras da Dirty utilizam o tom sarcástico, irônico e de revolta, retratando situações como abusos, relacionamentos tóxicos, política, pressões de uma sociedade patriarcal. Em entrevista à Cultura em Peso, elas disseram que se reconhecem exatamente assim.
“Com certeza nos consideramos feministas, acho que nas letras a gente consegue falar um pouco sobre isso, algumas vezes de forma mais sutil/sarcástica. Acho que a mensagem que a gente quer passar é alguma coisa do tipo: apesar de todas as dificuldades e barreiras desse sistema que a gente vive é possível conquistar nosso espaço e independência, tanto no meio da música quanto em outros, e também importante se impor e não aceitar certos abusos… É meio natural sentir raiva perante algumas situações”, relataram, por e-mail.
Com sonoridade crua e explosiva, suas performances ao vivo são cheias de atitude, como ocorreu neste show no 74Club, Santo André (SP), em 12/11/2022:
Nesse segundo semestre de 2023, elas já fizeram apresentações de novo em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul além de Santa Catarina, participando do evento “Não tem banda com mina”, encabeçado pela banda Themönic (SP), além da turnê do duo Suíço Retromorcego. Já segundo EP, produzido pelo selo Aurora discos, está quase pronto, e promete ainda mais peso que o trabalho anterior.