Como todo headbanger sabe, Belo Horizonte foi o berço de muitas bandas que hoje levam o nome do Brasil afora. Mas foi deixado um legado! E bandas novas vem surgindo com a mesma proposta: deixar a chama do heavy metal acessa e não passar despercebido!
É o caso da banda mineira Hellway Train, que em 2010 foi fundada por Marc Hellway e Vinícius Thram com a proposta de resgatar a estética e a sonoridade do hard rock e heavy metal tradicional dos anos 80. E conseguiram. É explícita a qualidade sonora e referências oitentistas no último EP lançado no final de 2020 Lockdown Reborn.
Sua formação atual conta com Marc Hellway nos vocais, Vinícius Thram nas guitarras, Chris Maia no baixo e João Brumano na guitarra. A redatora Paloma Melzzi conversou com o Vinicius para contar as novidades do EP, projetos pós pandemia, dificuldades do heavy metal, single lançado recentemente e muito mais.
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Paloma Melzzi: Em novembro de 2020 vocês lançaram o EP Lockdown Reborn, que traz uma sonoridade limpa, com bastante peso e qualidade. Conte como está sendo a receptividade da galera e como estão sendo os feedbacks do pessoal?
Vinicius Thram: O retorno que estamos tendo com o Lockdown Reborn está muito positivo, estamos felizes com o feedback. Ficamos cinco anos parados e a volta da banda era bastante aguardada para quem já acompanhava a gente. Apesar de ter uma sonoridade um pouco mais pesada em relação ao nosso trabalho anterior e ser mais calcado no Heavy Metal, a aceitação do público e da mídia está sendo ótima, saímos como destaque em alguns meios de comunicação e listas, o retorno está bem bacana.
Paloma: O primeiro trabalho de vocês foi em 2014 com o EP Breaking The Cage. Entre 2014 e 2020, quais foram as atividades da banda?
VT: No segundo semestre de 2015 nós demos a Hellway Train como encerrada e inicialmente não havia perspectiva de retorno. Foi uma decisão que tomamos devido a fatores internos, direcionamento sonoro, falta de apoio, etc. Em meados de 2018 eu e o Marc decidimos que deveríamos dar seguimento ao trabalho. Era algo que nós dois sentíamos ser necessário. A Hellway tinha mais coisa pra fazer e dizer.
Paloma: Voltando novamente para o EP Lockdown Reborn de 2020. Não podemos deixar de perceber a semelhança da faixa Pride Is a Riot com a sonoridade do Judas Priest. Foi algo natural ou mera coincidência? Seus fãs comentam sobre essa referência?
VT: Pride is a Riot é uma música cheia de referências ao Judas Priest e o público tem feito sim esse paralelo à sonoridade do Judas, com o todo o EP na verdade. É uma influência muito forte pra gente, o Marc é obcecado na banda e no Halford. Vários versos da letra são referências à discografia do Judas e abordam não só temática LGBTQ+, mas qualquer tipo de orgulho, o orgulho de ser você mesmo, independente dos que as pessoas pensem ou falem; o orgulho que carrega a revolta contra as barreiras enfrentadas diariamente.
“Hoje, boa parte das pessoas que quer buscar um som vai no YouTube ou no serviço de streaming que utiliza. Se o artista não está nessas plataformas a chance de ser descoberto é muito menor.“
Paloma: Atualmente o streaming não é mais tendência, é uma realidade. A maneira que o público consome a música é diferente de 10 anos atrás, por exemplo. O que vocês pensam sobre o streaming, algo bom ou ruim? Vocês consideram hoje o principal meio de consumir música ou ainda acham que o material físico é muito forte?
VT: Particularmente acredito que no começo o streaming pode ter causado um pé atrás em muitos e talvez, alguns artistas e consumidores de música, ainda possam ter essa perspectiva. Mas como toda nova tecnologia que surge é algo que vai ganhando espaço e aceitação geral, então acho importante a adaptação. Foi assim com o vinil, veio CD, depois o mp3 e agora o streaming. Hoje, boa parte das pessoas que quer buscar um som vai no YouTube ou no serviço de streaming que utiliza. Se o artista não está nessas plataformas a chance de ser descoberto é muito menor. Deixou de ser uma opção e virou uma ferramenta essencial. Quem não se adapta se limita. Principalmente para o rock e metal que não são mais gêneros do mainstream. A internet permite chegar a lugares distantes com mais facilidade, o que algumas décadas atrás levaria anos (ou talvez nunca) se você não estivesse na grande mídia ou com bons contatos. Então vejo o streaming como algo positivo. Mas do ponto de vista do artista acredito que há muito a ser otimizado e batalhado, principalmente em relação à uma distribuição mais justa das arrecadações e lucros por parte das plataformas. O material físico ainda é algo tradicional dentro do Rock e Metal ao menos, e sempre terá seu espaço. Muitos fazem questão de comprar a mídia física. Somos cobrados por isso. Eu adoro e vejo o disco como a materialização do trabalho musical. Não é apenas o som, mas tem a concepção artística da capa, do encarte, do formato da mídia, tudo isso conversando e representando a obra.
Paloma: O EP Lockdown Reborn foi lançado em 2020 de maneira totalmente digital. E agora em 2021 a banda tem planos de lançá-lo de maneira física com uma faixa bônus que terá apenas no físico. Conte um pouco sobre essa estratégia.
VT: A versão física do Lockdown sai ainda nos primeiros meses de 2021 com a faixa adicional, “Desordem/Regresso”. É a primeira vez que lançaremos uma faixa em português, então queremos ver como será a recepção, além de ser uma detalhe para agregar ao material físico.
“Acredito que os artistas se apoiarem é algo que está fazendo falta dentro da nossa cena.”
Paloma: O EP recente foi escrito e produzido na pandemia do COVID-19, com composições sobre o tema. Inclusive, uma época muito delicada para as bandas. Fale sobre a experiência de trabalhar com a banda nessa época tão difícil.
VT: A banda ainda não tinha anunciado o retorno antes da pandemia e não estávamos fazendo shows então o impacto não foi tão forte do ponto de vista da rotina da banda, mas para aquelas que precisaram parar turnês, cancelar ou adiar shows, para todos os profissionais do setor que foram impactados, sem dúvida está sendo bem delicado. Tínhamos planos um pouco diferentes no começo de 2020, estávamos no processo de composição de músicas pro trabalho de retorno da Hellway e veio a pandemia. Tivemos que nos adaptar e começamos a trabalhar em outras músicas do zero. Não era possível negar o que estava acontecendo ao nosso redor e não abordar. Apenas Bomberman foi composta pré-pandemia. O processo de composição foi feito boa parte à distância, trocando áudios, e nos reunimos apenas umas duas vezes para fazer as demos. Quando decidimos lançar o EP tudo foi bem rápido, questão de semanas pra eu e o Marc fecharmos a formação, fizemos uns três ensaios e entramos no estúdio.
Paloma: Sabemos que o novo EP é recheado de participações especiais. Conte-nos um pouco sobre essas participações, quem são os músicos. Qual o ponto de vista da banda sobre a importância das parcerias entre as bandas?
VT: Tivemos 4 participações nesse EP. A primeira é a do Casito, vocalista da tradicionalíssima Witchhammer, que canta um trecho de Metal Widow. O Casito é um ícone da cena metal mineira e foi um privilégio ter ele nesse trabalho, o vocal dele ficou exatamente como imaginávamos pra música. Tivemos o Drake Chrisdensen, vocalista da Ruins of Elysium, fazendo backing vocals em Pride is a Riot. Claustrophobiac teve o Daniel Tulher da Payback, fazendo vocais animais, e que deram a atmosfera que a música retrata. E as baterias foram feitas e gravadas pelo Jon Alberth, nosso amigo há anos. Quando estávamos à procura de um baterista para gravar o EP, a primeira pessoa que pensei foi nele e ele fez um excelente trabalho, pegou todas as músicas muito rápido e gravamos fazendo só dois ensaios com ele.
Acredito que os artistas se apoiarem é algo que está fazendo falta dentro da nossa cena. Existem sim parcerias, mas podemos e devemos fazer mais uns pelos outros. Assim todo mundo cresce, um puxa o outro. E além de todo o processo ser bem divertido o resultado é muito satisfatório.
“Saudamos e respeitamos o que passou, mas há uma continuidade.“
Paloma: A cultura “oitentista” está entranhada no mundo do heavy metal underground. Exatamente porque, os anos 80 foram o auge desse movimento ou estilo e hoje em dia soa datado. O rock e metal sempre foi algo revolucionário e intrigante ao mesmo tempo. As pessoas costumam ter essa ideia de que o hard rock/heavy metal está sempre preso nos anos 70 e 80. E isso é um assunto delicado de se abordar. Vocês comentam que, a música “Metal Window exalta a cena atual do underground e crítica àqueles que vivem somente do passado”. Nos fale mais sobre o ponto de vista de vocês.
VT: O rock/metal não morreu. Sem dúvida não é mais um estilo mainstream, mas não significa que hoje não existam bandas que estão fazendo um trabalho tão bom quanto foi feito a 30, 40 anos atrás. Metal Widow traz exatamente essa mensagem, para aqueles que vivem do passado e criticam o que há de novo e inclusive pessoas que não eram nem nascidas no auge do movimento rock/metal criticam e até tentam sabotar o movimento atual. Todo mundo gosta do que foi feito no passado, eu gosto, você gosta. Sem dúvida temos muita influência, saudamos e respeitamos o que passou, mas há uma continuidade. Se o indivíduo gosta apenas do som das antigas, ok, desde que ele entenda e respeite que existe uma nova geração que busca seu merecido espaço. Nossos ídolos estão morrendo, faz parte da vida. Mas e aí? Para continuar tendo shows, grandes festivais e materiais interessantes sendo lançados é necessário apoiar e abrir espaço para os novos artistas. É importante os produtores e casas de show darem oportunidades pras bandas locais, o público comparecer nos eventos, apoiar na divulgação das bandas, e as próprias bandas se apoiarem.
Paloma: Vocês lançaram em 2014 um EP de forma totalmente independente e agora estão à procura de selos para a prensagem física do EP atual. Nos conte sobre a dificuldade que as bandas independentes tem e o ponto de vista da banda sobre o interesse (ou a falta dele) do mercado fonográfico nas bandas de rock e heavy metal.
VT: Infelizmente nenhum de nós na Hellway vive exclusivamente de música, trabalhamos em outros empregos para subsistência e para investir na banda. Então esbarramos na questão financeira, apesar de várias ideias e projetos que temos. Dentro do gênero existe um público fiel que vai nos shows, compra material, acompanha as bandas e fortalece os movimentos, coletivos e produções que estão mantendo a chama acesa, porém isso não é a maioria e infelizmente as bandas ainda enfrentam dificuldades por falta de apoio. Inclusive foi um dos motivos que levou a Hellway a encerrar as atividades em 2015. Chegou um momento que estávamos sem espaço na cidade, “panelinhas” que acabavam dificultando algumas oportunidades. É fundamental o público no geral comparecer mais aos shows, as casas abrirem mais as portas pro que está rolando e oferecerem condições bacanas pras bandas… tudo isso contribui pro crescimento da cena como um todo. Todos ganham. O rock e metal não são mais o interesse da grande mídia e naturalmente não há um apoio da grande indústria fonográfica. Olhar ao redor ao invés de contentar apenas com o que é colocado no rádio, TV e internet é outro fator fundamental. A falta de um maior investimento e valorização da arte e cultura também são obstáculos para as bandas e todos os outros artistas no país.
Paloma: Belo Horizonte é o berço de muitos nomes importantes do Heavy Metal Brasileiro. É a origem de bandas icônicas como Sepultura, Sarcófago, The Mist, e também a famosa gravadora Cogumelo Records. Conte um pouco como é a cena em Belo Horizonte?
VT: Se existe uma cena heavy metal em BH é definitivamente graças a essas e tantas outras bandas como Overdose, Witchhammer, Chakal, pra citar algumas, que vieram abrindo caminho e consolidando o metal brasileiro. São o alicerce da cena de BH. Nós temos mais do que a obrigação de continuar contribuindo para esse movimento e legado. Vejo a cena como um todo hoje bem segmentada. Cada vertente tem seu movimento, organiza seus eventos. Era comum no Matriz durante o dia ter evento de uma vertente e a noite de outra. São poucos os eventos na cidade que conseguem reunir todos. Tomara que no pós-pandemia tenha uma interação maior. Acho que vai contribuir muito para o restabelecimento dos artistas e das casas.
Paloma: Qual a estratégia da banda para se manter ativo nesse ano de 2021 e pós pandemia?
VT: Esse ano iremos lançar o EP físico, nosso merchandise, temos um clipe sendo preparado. Torcemos que este ano ainda os shows voltem. Devemos um grande show de retorno que, antes da pandemia chegar, aconteceria em 2020 e estamos sedentos por pegar a estrada e fazer a promoção do EP. Temos músicas que não usamos no EP e outras que já estão em composição, então será um ano de muito trabalho.
Paloma: Conte sobre o novo single Desordem/Regresso, primeira música da banda totalmente em português e o lyric video que será lançado dia 05 de fevereiro.
VT: Desordem/Regresso é uma música que faz referência ao heavy metal brasileiro dos anos 80, tanto lírica como musicalmente, e tem uma abordagem política, retratando o que temos vivido no nosso país. A letra é em português e será um laboratório. Queremos ver como será a receptividade. Ela foi composta e gravada alguns meses atrás durante a pandemia, já prevíamos lançá-la no começo de 2021, mas a mensagem dela está tão atual como nunca. Dia 05 de Fevereiro lançamos um lyric vídeo, feito em parceria com a Imarginarte, que é um coletivo que tem fortalecido as bandas independentes, e essa faixa sairá como bônus na versão física do Lockdown Reborn. Vamos disponibilizar esse single posteriormente também nas plataformas de streaming.
Paloma: Considerações finais?
VT: Quero agradecer ao Cultura em Peso pela oportunidade de falar um pouco da Hellway, muito massa a entrevista, e dizer pra todos que estão nos acompanhando que estamos preparando muita coisa boa pra 2021. Em breve sai nosso material físico, tem muita gente querendo, a gente tá fazendo com muito cuidado e vai valer a pena. Sigam a gente nas nossas redes, comentem o que estão achando e compartilhem o som.
Stay Heavy!