A maioria das bandas encontra uma fórmula para o seu som, sua identidade, e aí acontece um impasse. Elas passam a fazer cover de si mesmas, repetindo padrões bem sucedidos até a exaustão em seus trabalhos.
Não que eu não goste de saber exatamente o que vou ouvir em um material, – afinal aí está minha oportunidade de escolher a podreira perfeita para destruir meu pescoço numa porradaria sem fim – mas Karnivore consegue se sair muito bem não caindo nesses maneirismos e discorrendo em um repertório magnífico, afinal ser surpreendido sempre é bom, ainda mais com a tamanha habilidade mostrada neste material. O CD tem uma ampla variedade, partindo de uma matriz muito clássica em sua sonoridade, com timbres e mixagens em uma estética atemporal ao estilo e uma produção anacrônica, “não-moderna”, muito agradável. Sem soar ultrapassados os caras deram um belo soco no rim do mainstream, agradando os deuses do Death Metal.
O trio sueco em seu terceiro full lenght, Dödsriket (2020), deixa notável a sua experiência e maturidade musical, com músicos com mais de 18 anos de bom Death Metal no currículo, o Karnivore – antiga Karneywar – sabe exatamente quais caminhos percorrer para lançar um trabalho completo.
A arte da capa tem uma palheta de cores em tons escuros, amarelo-acinzentados, o que abre bem a proposta sonora da banda. Em meio a uma fornicação demoníaca, a figura fálica de um rei desponta no topo da imagem. Execrando seus súditos diabólicos envoltos a pútridos restos mortais, a imagem soturna da realeza decadente que sustenta sua força em relações infernais traz, como que cravada em pedra, os medos mais antigos e primitivos do Homem. Uma imagem fantasmagórica como questionamento fica ao observador da imagem, o poder corrompe, não há dúvidas que tudo tem um preço, porém, não seria ainda assim desejável? Há beleza na degradação.
Acerca da estética sonora gostaria de destacar três músicas que são essenciais nesse CD e demonstram o que de melhor esse álbum pode te trazer.
War is Coming, a terceira faixa do disco, me faz pensar esses caras como arautos da guerra, do caos e da destruição. O som começa com um riff bem marcado com pedais duplos e um preenchimento bem clássico de teclados em chorus. A sonoridade é arcaica e primal, tu toma no meio da cara a porrada porque nada te prepara para o que vai vir com a entrada dos vocais brutais. Simplesmente um inferno se abre na tua frente, tudo se desdobra com a progressão dos riffs, o som é apocalíptico. Inundado por tudo aquilo de mais clássico que o Death Metal já produziu, flertando claro com tudo que esteve em volta do estilo, aqui temos uma legítima PATADA. A propriedade e a certeza em compor as melodias são absurdas, a banda sabe exatamente o que está fazendo, tomando escolhas bem ousadas na composição, os caras simplesmente destroem tudo.
Outro som mais ou menos na mesma linha que me fez ter vontade de destruir tudo aqui em casa foi a sétima música intitulada Black Flames. O som abre com um blast beat arrebentando tudo desde o início, cortado por um bate estaca enfurecido, seguido por uma redução de andamento com pedais duplos insanos cadenciados com o baixo cravado. Esse começo parece uma marcha de guerra onde um exército abissal entoa seu hino de batalha. Como se dividida em grandes atos a música varia bastante, alternando com melodias mais marcantes e riffs mais brutais. Atentando em especial ao final do som, uma barbárie absurda toma conta, numa aceleração marcada por um riff que é martelado aos ouvidos. Surgem vocais agudos brutais que compõem o fim deste coice de bode preto na fonte.
Desfigured man é outro belo exemplo dessa matança promovida e gravada lá na Suécia. Esse último som do CD traz destaque às cordas. Desde sua abertura acústica até a entrada dos instrumentos plugados o som te coloca numa atmosfera de perigo eminente. O ritmo do som muda bruscamente ao chamado de guturais absurdos, e o frenesi começa. De novo, seria chover no molhado falar sobre as mudanças de andamentos que são uma constante no trabalho e aqui também estão, então quero atentar o leitor para um detalhe fantástico nesse som que me fez querer explicitá-lo: Há o preenchimento com linhas de guitarra que parecem gritos bizarros alternado com rápidos arpeggios muito bem colocados, isso ficou matador! Sem contar nas marcações no bumbo que aumentam mais ainda o sentido de urgência que o som clama, como se anunciasse o inferno que está vindo em uma próxima degradação que lançarão. Esperamos que o próximo trabalho venha o mais rápido possível.
Confira o material da banda em:
Karnivore é:
Mattias Johansson – Bateria
Jens Englund – Guitarra e Baixo
Martin Holmqvist – Vocais