Mais uma vez, o Maus Hábitos proporcionou-nos uma noite de purga emocional para os dias que correm, desta vez com a organização do Amplificasom para aquilo que foi uma noite transcendental a 2 de Maio. Esse trabalho ficou a cargo dos Catalães Syberia e dos Germânicos Downfall Of Gaia, e que bom trabalho fizeram!
O promotor Amplificasom, mais conhecido pela organização de um dos melhores festivais portugueses, e talvez o mais eclético, o Amplifest, e diga-se que os nomes apresentados nessa noite fria de 2 de Maio poderiam facilmente constar num cartaz do Amplifest. No caso dos Downfall Of Gaia até já o fizeram na longínqua edição de 2016. Por isso foi uma boa oportunidade de matar saudades das suas performances positivamente angustiantes.
Mas já lá vamos…
Para abrir tivemos os Syberia, de Barcelona, que através do seu Post-Rock, Post-metal, ou o que o queiram chamar, nos fizeram realmente sentir que estávamos nas paisagens gélidas da Sibéria, mas como se de uma viagem se trata-se, não num ponto estático apenas a contemplar a vista. Isto para dizer que os crescendo de intensidade e de camadas das músicas nos faziam sentir que depois de um inverno rigoroso, estaríamos finalmente a sentir o primeiro raio de luz na nossa face, isso é revitalizante, é moralizante e esperançoso. Os blastbeats e os tremolo picking lembravam que o clima era gélido e cortante mas as melodias e os já mencionados crescendos criavam uma atmosfera única e o público rejubilou com o que ouvia.
Com 4 álbuns e um EP na bagagem, as suas malhas são como uma montanha russa com o improviso a segurar os carris, por vezes em modo suave, outras à velocidade da luz, bem à moda do post metal. Neste regresso da banda ao Maus Hábitos (sendo que já tinham estado nesta casa em 2022), o rock instrumental dos Catalães exalou tanto calor e intensidade instrumental que atraiu e hipnotizou desde o primeiro minuto. Passagens sonhadoras e explosões de magia real invadiram a sala sem deixar ninguém indiferente.
Os Syberia demonstraram maturidade nas composições, bom senso atmosférico, alguns pequenos detalhes que apanhavam o ouvinte desprevenido e acima de tudo os músicos sentiam de alma e coração o que estavam a tocar. De salientar a qualidade técnica do baterista, que tinha sempre alguma mudança rítmica ou velocidade de execução para abrilhantar ainda mais a atuação. Para lembrar que tudo isto foi transparecido sem uma única vocalização. Palavras para quê?
Em seguida os Downfall Of Gaia, fizeram o caminho oposto dos Syberia. Puxaram o tapete e atiraram-nos para vórtice onde não existia nada para além de misantropia e raiva. Também se movendo no “Post alguma coisa”, estes acrescentam a essa vertente, black metal atmosférico, Sludge e até algum Crust Punk em momentos mais enraivecidos.
A presença dos Downfall Of Gaia em palco foi menos energética mas nem por isso menos contagiante, pois havia algo na expressão corporal dos membros da banda que fazia sentir cada grito, berro, acorde e batida como se uma espécie de “cry for help“. Tudo em torno das suas músicas que tocam na angústia e na escuridão. E se existir uma emoção que seja a falta de emoções, eles transmitem-na de forma eximia. Ainda assim nos momentos sludge ou crust que são mais ferozes, parece que se sente um vazio imperial permanente, como se não se entende-se o porquê de sentir raiva.
Algo bastante complexo mas que qualquer pessoa em algum momento da sua vida já tenha sentido algo igual ou semelhante, por isso, naquele momento, os alemães não eram os únicos a exorcizar demónios mas todo o público que estava aquela sala praticamente cheia do Maus Hábitos.
Mais uma vez um baterista que era um grande executante, e uma maturidade enorme na elaboração dos temas. Isto pois a mescla estilística era extremamente abrangente e a complexidade do material também era superlativa.
Ficou a sensação que ambas as atuações foram curtas e que a noite passou a correr, significando isso que foi um ótimo serão e que foi feito um ótimo trabalho tanto em relação às bandas, como à promotora Amplificasom e ao Maus Hábitos.