Historicamente o Ratos de Porão, um património da música brasileira, mais claramente no meio extremo, sempre foi uma banda de protesto, insatisfação e alerta social.
Depois do populismo extremista, religioso e muitas vezes racial voltar ao foco de luz no Brasil (e também no mundo) muitas vozes se levantaram contra a banda, e eu vos digo, ouviram errado o RxDxP a vida toda, nunca leram as letras, fugiram das aulas de interpretação de texto, ou infelizmente sofrem de analfabetismo funcional.
“Analfabetismo funcional é a incapacidade que uma pessoa demonstra ao não compreender textos simples. Tais pessoas, mesmo capacitadas a descodificar minimamente as letras, geralmente frases, textos curtos e os números, não desenvolvem habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas.”
A resenha é sobre o disco “Necropolítica“, mas vamos dar uma volta no passado, fazendo um muito resumido repasso sobre alguns dos discos da banda:
1991 era lançado o disco “Anarkophobia“, disco que trazia uma versão mais metal da banda, mas com letras de forte apelo social. “Contando os mortos”, “Morte ao rei”, “Igreja Universal” e “Escravo da TV” são algumas das músicas deste disco.
Naquele ano, após o Regime Militar, Fernando Collor estava em seu segundo ano de mandato, com ideias mais ligadas a direita, prometendo privatizações, austeridade fiscal e livre comércio…
Era então a esperança de melhores tempos, conhecido como “Caçador de Marajás“.
1994, ano de Itamar Franco na presidência, é lançado o disco “Just another crime in Massacreland“, e tem música dedicada ao ex presidente “Suposicollor”, alguma vez você já leu a letra de “Money” ? E de “Massacreland“, “Breaking All The Rules” ou “Real Enemies” ?
1997, já era o terceiro ano de Fernando Henrique Cardoso no comando do Brasil, ano também do lançamento de “Carniceria Tropical“, que conta entre outras com “Ideologia Police”, “Estilo De Vida Miserável”, ou “Atitude Zero“.
Sequência de pancadas!
Em 2000 ainda sob o comando de Fernando Henrique Cardoso era lançado “Guerra Civil Canibal”, e o refrão não é nada menos que:
” Guerra civil canibal
Em nome de Deus “
Em 2003 Lula vence a corrida eleitoral, a candidatos como José Serra, Ciro Gomes e Garotinho, Enéas ganhava como um dos Deputados mais bem votados da História, e o Ratos de Porão lançava “Onisciente Coletivo“, um dos discos na minha visão de maior apelo social da banda, “Deus é amor”, “Medo”, “Problemão”, “O sistema me engoliu”, “Próximo alvo”, “Rabia social”, “Terror declarado”, um disco inteiro de tormenta social.
Em 2006 ainda tínhamos Lula como presidente e o RDP lançava “Homem inimigo do Homem”, disco que contém monstruosas ferramentas de protesto como “Pedofilia Santa”, “Expresso da escravidão”, “Pms de satan”, “Lucidez”, “Homem inimigo do Homem”, ou “Covardia de Plantão”.
Leu a letra de “Quem Te Viu” ? ou de “Otário Involuntário“, Não? – Leia :
Letra de “Quem te viu” e Letra de “Otário involuntário”
2014 era Dilma no governo nacional, e na música extrema “Século Sinistro” lançado por Ratos de Porão.
“Pra Fazer Pobre Chorar”, “Viciado Digital”, “Neocanibalismo” ou “Boiada para bandido” são alguns dos petardos daquele disco.
Trecho de “Puta, Viagra e Corrupção”:
“Ladrão julgando ladrão
É puta, viagra e corrupção
A impunidade é brasileira
Hipocrisia eleitoreira”
2022 é o ano do lançamento do Necropolítica, e você esta ai pensando, ele esqueceu de falar sobre o melhor disco da banda, “Brasil“, de 1989..
Não, não me esqueci, deixei por último nesta lista , porque todos dizem “Necropolítica é uma cópia do Brasil“, e não, é uma continuidade de um trabalho de 40 anos, em que Brasil e Necropolítica se assemelham por terem em seus devidos momentos lideranças extremistas para o além, mas claramente eu quis e mostrei que o Ratos de Porão não perdoa governos, líderes de quaisquer ideologias, então você headbanger “reaça” achou que eles iriam mesmo perdoar o líder nacional que mais atacou as minorias?
Há ainda aqueles que colocam no mesmo balde como “iguais” o Socialismo, Nazismo, Comunismo e Facismo.
Não são iguais e nunca vão ser, a única similaridade é que o pobre vai sofrer em qualquer um deles.
Necropolitica:
O mundo atravessa uma de suas piores crises, já se fazia quanto tempo não havia uma pandemia mundial? A quantos anos a extrema direita não se levantava mudo a fora?
Xenofobia, Racismo, homofobia, e muitos “ias” não estavam tão livres como agora (Não somente no Brasil), mas falando de Brasil, nos últimos anos, este pessoal saiu da caixa, por que acreditou que tinha liberdade para serem eles mesmos sem se esconderem, não foi uma criação de agora, este pessoal sempre existiu, apenas não se manifestava tão abertamente.
Este disco é um presente para todos com apelo social, consciência de classe, sede de protesto, olhos com sangue de toda a sequência de golpes injustos durante a pandemia (Covid 19) e nos últimos 4 ou 5 anos no Brasil.
Este álbum que brinda 4 décadas de carreira, e trás muito peso nas letras, uma lajotada contra extremistas e negacionistas, diminui um pouco a intensidade sonora de “Século sinistro”, mas isto não significa que perdeu peso, o grupo dosou as suas forças e mostrou da forma mais clara possível para quem não entendia o que a banda pensa, e agora vão entender (Espera-se).
O disco começa com “Alerta Antifascista”, onde tem uma sombria introdução de respiração numa (Numa U.T.I?), mais cadenciada, e um belo convite aos ofendidos a dar stop no play, se não aguantarem esta canção, não vão suportar as verdades que estão por vir. Mostrou uma banda mais madura sonoramente, com a mesma sede de protestar.
Aglomeração tem um refrão sugestivo e grudento, você não vai esquecer, ” … Jesus te protege na aglomeração … “, alusivo há aqueles que colocam Deus acima de tudo e todos em qualquer situação, a fé das pessoas não deve ser ofendida (Não estou aqui pra julgar crenças), mas consciência e razão devem andar lado a lado, e na maioria das vezes não anda por que pessoas são manipuladas por sua fé. A Música já tem um tom mais veloz, riffs rápidos e bem trabalhados, boas quebradas de ritmo e viradas de Boka, onde o baixo de Juninho se destaca.
Passa Pano Pra Elite demonstra a atual situação do Brasil perante o mundo, “… Vergonha mundial … “, onde um governo tem trabalhado pra elite e desfavorecendo as minorias.
Necropolítica, pesada e rápida , carrega o nome do disco, demonstra em poucas estrofes, como tem sido os últimos anos de política:
“Poder decidir quem deve viver
Poder decidir quem deve morrer”
Guilhotinado, talvez a mais lenta do disco, com forte mensagem, em que mostra o que acontece quando religião e politica se juntam (Voltamos a IDADE DAS TREVAS?, leia sobre para entender), solos bem trabalhados, cozinha bem ao estilo crossover thrasher, se torna mais um som mostrando a versatilidade que o RxDxP ganhou.
Vira-Lata faz questão de lembrar que o governo tem trabalhado com o centrão, aquele mesmo que era julgado antes da eleição, aquele mesmo que sempre dominou o país com uma maioria de políticos e nas promessas de campanha não iria se aliar a eles ….
G.D.O remete aos súditos, os submissos/Vassalos que levam a desinformação adiante, pelas redes sociais, uma verdadeira milícia digital a espalhar mentiras. E novamente é uma música que dá bastante destaque a bateria e baixo.
Bostanágua uma das melhores musicas sonoramente deste disco, bem sarcástica mas com uma mensagem por trás, como toda boa ironia deve ser. Será garantida um motivo de protesto com os fãns rebeldes.
Entubado é uma letra que faz alusão a forma como a pandemia foi tratada no Brasil, com remédios negados por profissionais no mundo todo, o que ocasionou muita desinformação e consequentemente muitas mortes, ora posso vos observar que muitos “reaças” estão a criticar o que kim jong un, Ditador Da Coreia do Norte, esta fazendo neste momento, já que ele desacreditou o poder das vacinas e agora que seu país é atingido(O último a receber casos de covid), esta tratando a população com “gargarejo de sal, chás e antibióticos”.
Em seu momento no Brasil remédios sem eficácia também foram indicados.
Neonazi Gratiluz é personificação daqueles que desacreditaram toda saúde nacional, cegos pelo líder supremo, ou pessoas que nunca precisaram do sistema público arrotando arrogância.
Este disco é sem dúvidas um dos mais leves da carreira quando analisado sonoramente, eu imaginava a principio uma chegada mais próxima do Grindcore, vide a escalada que a banda apresentava disco a disco sempre vindo mais pesada, mais rápida e brutal.
Num contexto a nível nacional, o mais pesado a nível social, pois as letras abrem as feridas do momento, demonstram a realidade nua e crua da atual situação do brasileiro, que vive numa guerra de desinformação, uma briga digital.
Constantemente comparado com “Brasil”, são dois discos de maior envolvimento social da banda, gravados e lançados em momentos de crise dramática e devastadora no país, o “Brasil” ainda de certa forma atinge de forma mais global o mundo, “Necropolitica” é uma bala em cheio num momento crucial, onde estamos perto de decidir os rumos dos próximos 4 anos .
Na era da desinformação, as letras deste disco deveriam ser amplamente divulgadas, mais notadas que riffs e viradas de bateria.
Num contexto geral, quis mostrar que o Ratos de Porão sempre foi uma banda que pensou pelo povo, não importando o líder.
E este disco é mais que uma demonstração, menos peso musical, com uma mensagem mais direta, clara e sem meias voltas de alerta!
Ratos de Porão é uma banda que nunca decepciona.
Review por @cremo_iu
Nota: 10/10
Necropolítica tem 31:30.
1-Alerta Antifascista
2-Aglomeração
3-Passa Pano Pra Elite
4-Necropolítica
5-Guilhotinado Em Cristo
6-O Vira-Lata
7-G.D.O.
8-Bostanágua
9-Entubado
10-Neo Nazi Gratiluz
Disco gravado no Family Mob, Lançado pela Shinigami Records , Mixado e masterizado no Estúdio El Rocha por Fernando Sanches.
Backingvocals por: Jão, Juninho, Gordo e Rafa Di Sessa, Assistente de gravação: Otávio Rossato, Produzido por: Ratos de Porão
Todas as músicas por: Ratos de Porão
Ouça o disco nos canais oficiais da banda:
O Ratos de Porão esta no nosso Festival online, inscreva-se no youtube, dias 04 e 05 de Junho você poderá ver o vídeo exclusivo para o Festival.