Entrevistamos Renato, integrante da banda de black metal Vazio, que compartilhou conosco a trajetória do grupo desde sua formação em São Paulo, em 2016. Com um som caracterizado pela fusão de death metal, black metal e influências brasileiras, o Vazio se destaca na cena underground tanto no Brasil quanto no exterior. Renato nos falou sobre o significado profundo do nome da banda, suas influências filosóficas, a importância de cantar em português, e a reverência aos povos indígenas presentes nas letras das músicas. Além disso, discutimos a evolução sonora da banda, a produção dos álbuns, suas posições políticas e os planos para futuras turnês, destacando a dedicação e paixão que movem o Vazio.
Gelson – De onde a banda se formou, de onde vocês são?
Renato – O Vazio se formou em 2016, a gente é aqui de São Paulo, da capital, eu estava tocando com o Daniel, naquela batera do Vazio, a gente se conheceu tocando junto numa banda chamada Social Chaos, de 2010 a 2018, então a gente tocou junto esses oito anos nessa banda, resolvemos montar um projeto paralelo, que acabou crescendo e se tornando a nossa banda principal, e foi assim que foi saindo o Vazio, com dois amigos que estavam numa banda de grindcore, crust, death metal, queríamos fazer uma experimentação com um som mais extremo, montamos o Profesia Vazia, que é o pré-Vazio, uma coisa mais death metal na real, fomos lapidando qual era o caminho, as composições estavam indo, e o que queríamos comunicar como música, e aí fundamos o Vazio em 2016.
Gelson – O nome Vazio veio de alguma inspiração, tem algo a ver com o Vazio humano, um Vazio existencial ou algo parecido?
Renato – Ele veio dessa dissidência, a ideia inicial era a Profesia Vazia, percebemos que o som que a gente queria dialogar era uma coisa mais extrema e mais espiritualizada, aí virou essa célula que é o Vazio de 2016, que a gente vem lapidando esse trabalho até hoje. E, bom, significados são diversos, acho que cada um quando pensa na palavra tem um insight, alguma coisa que, um aspecto mais filosófico, um aspecto mais niilista, ou até um aspecto até meio negativo da palavra, mas ele tem vários sentidos, eu acredito que a interpretação da galera quando escuta o nome, vê o nome, lê o nome, eu acho que é bem particular, independente daquela que eu compartilhe aqui. Mas eu acredito que, para mim, é uma coisa que acompanha a nossa existência, independente da matéria, independente da parte mais psicológica, do aspecto humano, mas eu acredito que é uma entidade, é uma força do universo vazio, e não que ele está esperando algum tipo de complemento para ele estar cheio, mas é porque ele é aquilo mesmo, ele é uma força anticósmica, uma força caótica, e como se fosse um titã do tempo, como se fosse uma deidade dentro das deidades do universo.
Gelson – Você é focado na questão filosófica?
Renato – Eu gosto muito de filosofia, eu acredito que o entendimento e o conhecimento, ele passa por aí, para todo mundo que busca compreender um pouco mais o aspecto existencial, ou até ler sobre o que outros escritores falaram sobre isso, eu acredito que abre muito campo para a própria compreensão, eu acho que o conhecimento tem que ser incentivado, e se você não incentivar a galera a ler, ou a você mesmo ler, você acaba sendo dominado por dogmas que não tem muito fundamento, fica muito na superfície das ideias, eu acredito que essa parte mais profunda acaba tendo uma parte dela na filosofia, mas eu acredito que todas as matérias são importantes, não só a filosofia, até mesmo a ciência, a espiritualidade, são aspectos necessários para a gente praticar o entendimento da existência.
Gelson – Você é o letrista da banda, compõe, os temas, como que vocês escolhem?
Renato – No começo da banda eu tinha mais as letras e continuo escrevendo todas, acho que traz uma unidade de pensamento, as letras acabam se conversando por sair da mesma cabeça, eu acredito que tem uma cosmologia ali que a gente vai amarrando, e as composições também, no começo eu e o Dani, esse batera, a gente compõe a parada junto, e hoje em dia a gente tem mais atuação do nosso baixista, que é o Nilsson, e também do outro guitarrista, que é o Eric, eles estão participando cada vez mais do processo também de composição, no Necrocosmos, tem mais participação deles do que nos últimos discos, então é uma coisa que eu gosto também de saber que eu posso contar com os outros membros da banda e dividir essa responsabilidade da parte musical, já na parte das letras eu pretendo manter assim.
Gelson – No último disco anterior você e o pessoal da banda que fizeram a produção de tudo, então como que é fazer esse trabalho?
Renato – Isso vem com a experiência, eu trabalho com áudio já faz uns anos, talvez 16, 17, a maior parte da minha vida eu vinha trabalhando com áudio e me especializando com essa parte de gravação, mixagem, estudar e estar sempre evoluindo nesse aspecto. Nessa minha caminhada eu estou encontrando o Eric, que é o nosso guitarrista, que é um dos caras que mais manja de áudio que eu conheço na minha vida e ele foi meu professor de áudio num curso de especialização que eu fiz e acabou entrando pra banda, a gente troca muita figurinha em termos de áudio, então a gente tem duas pessoas da banda que trabalham com isso, com gravação, com mixagem e tal, então pra gente é muito natural a gente fazer esse processo não só da composição, do arranjo, mas também da mixagem. Nesse disco, Necrocosmos, pedimos para outros profissionais desse ramo, da Absolute Master, fazer a masterização, para sair um pouco do nosso olhar e trazer um olhar mais científico.
Gelson – O som de vocês tem alguma influência de alguma banda que vocês gostam, ouvem?
Renato – Acho que o Vazio é uma banda de black metal que tem muitas músicas que se remetem ao black metal dos anos 90, mas também coisas brasileiras, o Vazio acaba sendo uma soma das diversas influências e da experiência que a gente tem no underground, de ter tocado em uma banda, de ter feito um monte de turnê, então quando montamos o Vazio em 2016, temos um planejamento muito claro com a banda e uma sobriedade com o nosso trabalho e isso é fruto de dedicação, a gente transita toda essa carga e experiência dessas bandas, acredito que a gente se influencia com as coisas que a gente já fez e também pelos trabalhos que a gente está sempre contemplando, eu escuto música pra caramba, vivencio muito essa cultura do metal, do grindcore, da música extrema, da death metal, eu acredito que quando a gente vai compor pro Vazio, a gente foca naquilo que a gente já vem trabalhando, vem criando um estilo, no final saem as letras do Vazio com essas influências, acaba criando um estilo que a gente vem elaborando e esperamos, com o Necrocosmos, estar consolidando.
Gelson – Cantar black metal em português é um desafio a mais?
Renato – Eu acredito que hoje em dia o mercado exterior, a galera tá mais interessada em uma banda cantando em português do que mais uma banda cantando em inglês errado, e o que a gente mais tem é gente que acha que fala inglês. E aí você vai ver aqueles erros grotescos, a gente se sente muito confortável lidando com a língua portuguesa, é uma coisa natural. Eu acho que essa característica dá uma identidade brasileira, não tem porque a gente ter vergonha de falar português, cantar em português, acho que na verdade há um déficit de referências em português para se espelhar, acredito que o ruído que a língua estrangeira causa na sua mensagem, a gente tira isso da frente falando em português, então a mensagem tem um impacto muito mais direto.
Gelson – Nos dois discos da banda, músicas como Ateuê Ateuá Kotô Shiuá e Koié Kokoiá, fecham muito bem os dois álbuns. Essas músicas são tribais, são referências a algum povo indígena?
Renato – Eu acredito que a reverência aos povos originários é um dos pilares da nossa banda, saca? Assim como tem esse aspecto mortuário também, de necromancia, a gente dedicar o nosso prazo aos mortos, da gente ter esse respeito e devoção àqueles que caminharam antes de nós nessas terras, sempre nos nossos discos a gente está colocando uma música que faz uma referência a algum tipo de linguagem sagrada dos povos originários, então no disco anterior tem uma música chamada Koie Kokoiá, que são palavras indígenas, fazem referência a um povo que é chamado de povo onça, o povo Jaguari, o povo pantera, então essa parte meio xamânica, dos grandes pajés, dos grandes curandeiros, dos grandes feiticeiros da música. Nessa música Koie Kokoiá, a gente apresenta o veneno, como se ele também tem essa conotação da cura, de uma coisa que pode vir a transformar você, mas também pode causar uma destruição muito grande e essa é a referência de Koie Kokoiá, o veneno está sendo apresentado, é essa uma reverência ao processo de transformação dentro do contexto indígena, e no disco novo a gente fez uma referência a um povo, o Shiuá, do povo serpente, do povo cobra, que também lida com essa característica dos venenos, das curas, das maldições e Ateuê Ateuá Kotô, Shiuá, sendo Kotô o povo e Shiuá cobra, Ateuê Ateuá, é uma reverência de salve, salve, está chegando o sagrado, ambas as músicas foram compostas e performadas por nós. Às vezes a galera escuta esses cantos mais tribais, instrumentos mais com conotações de uma época mais antiga, de uma coisa mais primordial, de repente, e acham que são samples, coisas que a gente pegou da internet, mas não, os didgeridus fui eu que toquei, as vozes eu que gravei, os tambores também a gente que gravou, a gente depois cria um cenário dentro da mixagem que faz essa reverência a um processo mais tribal, mais sagrado, mas isso dentro da utilização de reverbes, dentro da utilização dos conhecimentos de mixagem que a gente tem, criamos um ambiente que o ouvinte se transporta para uma situação ritualística, essa que é a ideia.
Gelson – Black metal antifascista, vocês têm uma posição política também?
Renato – A banda eu acredito que ela tem uma mensagem que ela tá explícita nas nossas letras, na nossa música. Eu tenho uma posição política como pessoa e a gente, pelo fato de tá unido numa só frequência, todos os membros do Vazio, eu acredito é um sentimento de muita união, muita honestidade, muita transparência. O Vazio já tocou com bandas que tem alinhamento com o punk, com o grand core, que são bandas, são movimentos, estilos musicais e movimentos sociais que são completamente combativos contra a homofobia, o fascismo e diversas outras movimentações e a gente tem que combater isso, esse tipo de movimentação, extremismo de direita, racismo, não é uma coisa saudável para um povo de terceiro mundo, para o povo brasileiro, então se o gringo, ou não sei o que lá, acha normal esse tipo de coisa, a gente não acha, isso fica claro no nosso comportamento, eu não acredito que a sociedade consiga dar grandes saltos de evolução a curto prazo, a gente tem essa característica de ser um país que é usurpado, que os gringos vêm aqui realmente pra zoar o barraco a maior parte do tempo, então é natural a gente criar uma situação de combate a esse tipo de postura, colocar o nosso povo para frente, com uma sociedade mais equalitária, mais humanizada, vivemos em uma sociedade extremamente violenta de várias formas, é não só da forma desse nível de competição capitalista e ostentação que a própria mídia impõe, mas também nesse olhar desumanizado que a gente tem para com a miséria que a gente convive na aula pelo menos eu tropeço em mendigo o dia inteiro, o dia inteiro tem gente pedindo uma moeda na porta da minha casa e é com essa sociedade que a gente vive, se você normaliza esse esquema miserável e violento, o que que a gente se tornou afinal. Dentro do vazio a gente une o que a gente tem de processo devocional mais espiritualizado a fim também de plantar uma semente na cabeça da galera e a galera expandir da maneira que eles acharem melhor, porque algumas chaves a gente coloca ali nas letras, nas artes, mas a gente não coloca nenhum tipo de bandeira na nossa música, na nossa arte, colocamos nossa posição de ser humano.
Gelson – Bem legal essa posição de vocês nesse mundo caótico que a gente vive. Renato, Black Metal vive na cena underground. Vocês têm mais fãs aqui no Brasil, fora do Brasil?
Renato – Definitivamente a gente vem crescendo aqui no Brasil com esse trabalho de Black Metal brasileiro, de falar português, de falar sobre cultura indígena brasileira, de trazer a quimbanda, esses processos devocionais espiritualizados da qual eu tô imerso, de colocar isso nas letras e a galera tem recebido essas chaves e a coisa tem dialogado. A gente tá indo para a Europa agora pela segunda vez e fincando as bandeiras do Vazio lá, mas definitivamente o Brasil é o nosso maior mercado, é aqui que a gente trabalha, é aqui que é nosso negócio, temos tradição de metal extremo. Vamos seguindo, sempre com muito respeito àqueles que abriram esses portais para a gente estar hoje onde a gente está com o Vazio.
Gelson – O Necrocosmos é uma evolução do disco anterior e ouvindo aqui a discografia de vocês, desde do primeiro EP, Vazio, dá pra sentir que realmente houve uma evolução, o som desse Necrocosmos está mais produzido, tá mais consistente. Você acha que dá pra evoluir ainda mais?
Renato – Eu acredito que o caminho do vazio é esse, se desafiar a lapidar a nossa obra sem perder a essência. Somos seres pensantes, pessoas em processo aqui nessa matéria, então acredito que é natural da gente ser impactado e pensar em transformações. A gente não tem nenhum tipo de intenção de ser aquela banda que sempre soa igual, porque não é assim que a gente pensa a arte, a gente tá sempre tentando andar em lugares desconhecidos, adquirir novas expertises, dominar novos demônios, então, isso dentro das nossas técnicas, é natural da gente ir tentando tocar melhor, tentando mixar melhor, tentando transmitir nossa mensagem de uma maneira que a gente pensa que é uma evolução. Eu acredito assim, quando a gente jogou o Necrocosmos, a única coisa que eu tinha na cabeça, ia ser muito ruim se a galera escutasse esse disco e falar, porra, esse disco é legal, mas o anterior era melhor, isso era coisa que eu não queria escutar e ainda não escutei isso. Então é nesse processo que a gente vive, de lapidar.
Gelson – Eu vi que vocês vão participar de um festival lá na Suécia, Malmo Massacre, mais outros shows programados, como que tá a agenda da banda?
Renato – Pessoal, a gente tem esses shows aí no Rio de Janeiro, a gente vai fazer São José dos Campos e a gente tem também show em Belo Horizonte, vamos voltar lá para Minas Gerais, a terra do metal. E o que tem ocupado bastante o meu tempo é o agendamento da nossa turnê europeia, onde a gente vai ficar 36 dias na Europa e a gente vai fazer 28 shows. E isso aí eu estou fazendo tudo sozinho, com os contatos que eu tenho, com a nossa rede. Então é uma coisa que demanda muito trabalho, porque você tá falando com muita gente, muitos países diferentes ao mesmo tempo, fazendo booking, com data, com prazo, arrumando cachê, arrumando lugar para dormir, hospedagem, trajeto. É uma aventura, mas é muito prazeroso, porque a gente vê a parte de fazer uma tour com a banda com muito bons olhos, a gente gosta de fazer isso. Então esse ano aqui a gente vai fazer uma turnê extensa, acredito que são 13 países diferentes, tudo de carro, a gente mesmo dirigindo, aquela coisa muito de verdade assim, e lutando, vendendo nosso merche, ganhando nosso cachê, e a gente quer voltar para casa com dinheiro para a gente fazer mais coisa pela banda, investir…
Eu – Bom, era isso aqui que eu ia mais ou menos conversar com você, gostei muito aí do nosso papo, da banda, virei fã. Aí se você quiser deixar um recadinho final…
Renato – Bom, agradecer aí o espaço, agradecer você pelo interesse no nosso trabalho. Legal o papo. Agradecer o Cultura Em Peso que vem fazendo esse trabalho também de pesquisa, arquivamento e também abrindo espaço pra outros artistas que estão falando sobre o seu trabalho. E agradecer a galera que dedicou o tempo da sua vida a ler aqui o que eu tenho pra falar. Você que está lendo esse papo sobre o vazio, sobre a magia negra brasileira, sobre toda essa parada que a gente trabalha. Muito obrigado. A gente pretende continuar o nosso trabalho. E até, que a gente se encontre em breve, ou num show, ou num cemitério, em algum lugar a gente vai se ver.