Eu costumo não ler sobre as bandas antes de resenhar, gosto de tentar isolar o produto que tenho em mãos ao menos por aquele momento, desligo o material de quem a banda é, foi ou poderia ser. Tudo que me interessa é aquele play em minhas mãos. Tendo deixado claro minha forma de trabalho gostaria também de explicitar que me considero um amante de podreiras, mas confesso que demorei um pouco a me acostumar com a produção desse trabalho, não que o Grim Fate tenha atingido um nível revolucionário de noise em seu álbum de estréia , mas eu não esperava pelo que estava por vir. Uma incrível banda de Death Metal com sua sonoridade calcada no Doom aplicada habilmente à uma sonoridade primal – percebi que os caras são diferenciados ao me deparar com o post de anúncio em que eles lançaram cem fitas K7 em co-release da sua gravadora Dawnbreed Records com o selo Seed Of Doom, ambas situadas na Holanda –.
O fato de ter que me adaptar à estética sonora do Grim Fate para ouvi-los com mais atenção foi uma grata surpresa, eu amo um fuzz na guita e eles abusam disso, obrigado queridos amigos do Grim. Em geral isso que relato acima é um processo mais comum e esperado dentro do grindcore e seus afluentes, adoro ser surpreendido pelas formas anárquicas de lidar com as mixagens e produzir – palmas para o Produtor do material Jonny Petterson –.
Esses caras encarnaram o melhor do Do it yourself herdado do punk pelo grind e conseguiram uma sonoridade muito própria. A mixagem com relações não usuais de volumes entre os instrumentos, somada aos timbres saturados das cordas transformou esse Death Metal arrastado dos holandeses em um trabalho com uma aura muito sinistra, estilo o que o Black Sabbath fez nos anos 70. Um ouvido muito acostumado à música enlatada que consumimos no mainstream terá dificuldades de palatabilidade, mas será uma experiência única. Vale a pena o esforço.
A capa do trabalho tem um estilo puxado para o new school, com traços mais arredondados e grossos, o que colabora na densidade e profundidade da imagem. Ela traz uma estética ligeiramente atrofiada às proporções. Como em uma câmera secular arcaica há um horror ancestral materializado em uma massa amorfa. Um crânio infestado por criaturas surge em meio ao caos, carregado por um demônio-touro esquelético com língua de cobra, a figura de dentes pontiagudos acavalados urra com sua bocarra escancarada, drenando o observador com seu olhar enquanto seres inconcebíveis à mente humana espreitam em cantos escuros.
Piles of Corpses é uma bela primeira música, para além da atmosfera sombria há um sentido de pavor criado pela sua introdução – um urro em meio a blast beats te coloca na atmosfera de morte que a banda quer – os vocais grotescos iniciam, mórbidos e apocalípticos eles te avisam: “Em meio a formação de nuvens sinistras no céu, um cheiro de carniça invade o ar” (tradução livre). É o prenúncio do que está por vir. Daí para frente as progressões musicais são cada vez mais sinistras sendo invadida pelo pessimismo. Destaque para a parada da música quase ao final do som. Ao melhor estilo Tony Iommi, que influenciou uma geração de músicos, o baixo entra na música dando inicio ao riff completado pela guitarra ambientando um crescendo, mas logo após há mais uma parada e a música vai rumando para o seu fim alternando mais vezes entre pegadas mais rápidas e tempos desalecerados, num desesperador eterno retorno ao riff principal os caras te jogam no abismo da não existência.
Seguindo nessa Ode ao niilismo, a segunda música do trabalho acontece em uma pegada mais lenta fazendo passagens e transições com riffs em uma pegada bem Death. Após a intro onde uma segunda guitarra aplica uma melodia doentia e depressiva para logo após ser interrompida por ligeiras palhetadas que antecedem à entrada dos vocais, há uma nova redução do tempo. You Will Rot é a música do quarteto que mais flerta com o Stoner Metal e Doom Metal. Aqui as letras são diretas, há uma crítica contundente à religião que pode ser ilustrada pela frase de uma das estrofes (tradução livre) “você vive em um conto de fadas porque a realidade é muito real, religião é uma doença, seu espírito não se curará”. Eu gostei muito da interação entre a primeira e a segunda guitarra, sem contar no preenchimento monstruoso que o vocal promove ao som. Destaque para o riff de encerramento que entra mais ou menos aos 6:14 minutos, é matador! Sem contar nas interrupções e progressões do tempo, desde baixos isolados até pedais duplos matadores. Espetacular como esses caras encerram sua música, antes acelerando, agora diminuindo cada vez mais o ritmo.
Por hora é isso queridos e queridas. Não gosto de fazer uma resenha muito explícita cobrindo detalhadamente e diretamente mais que 30% do álbum, acredito que debulhar demais o material das bandas poderia se tornar massante para o leitor. É importante deixar espaço para vocês me retornarem aqui sobre suas próprias ótica pessoal, além do meu posicionamento. Então fica aqui minha impressão geral do material, assim como uma resenha completa de duas das seis músicas presentes nesse Debut. Atenção especial para o fechamento, The Final Day, vai dar um golpe final em vocês – especialmente no encerramento que a bateria faz, com variações incríveis, brincando com o tempo e a colocação das peças! – Porém não quero prepará-los, peço que escutem esse CD na íntegra e se deixem levar pela atmosfera que a banda habilmente criou.
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Grim Fate é:
Pier Dijkstra – Baixo e Vocais
Wim de Vries – Guitarras
Philippus Yntema – Guitarras
Danny Boomstra – Bateria