Desde Cultura em pesoEntrevistámos Marcos do Relicário, dois membros fundadores do Mileth, uma banda galega de folk metal e pagan metal criada em 2009, que combina a música tradicional galega com o black metal.

Olá, aqui é o Marcos, muito obrigado por nos receber nesta entrevista.

Para iniciar esta entrevista, você pode me contar um pouco como surgiu a ideia de montar uma banda de Folk Metal? Presumo que você já tenha ouvido esse tipo de música antes, quais são suas referências/influências musicais?

Quando iniciamos a digressão Mileth, em 2009, não era fácil encontrar na Galiza grupos de metal extremo que introduzissem elementos musicais folclóricos, exceto o caso dos Xerión, que já eram uma referência na cena negra galega. Gostamos do gênero e achamos estranho que num país com um folclore tão rico como o nosso não surgissem mais grupos do estilo. Ainda mais quando saímos de uma década em que o folk metal, falando de uma forma muito geral, viveu uma fase de ouro com a publicação de grandes discos. Foi então que começámos a compor de olho na música tradicional galega, apesar de termos consciência de que o género começava a ficar muito saturado. Mas pretendíamos apenas preencher uma lacuna que considero mais pessoal do que uma necessidade da cena metal galega. Como acredito que ainda é o caso hoje.

Toda aquela onda de folk metal da primeira década dos anos 2000 nos influenciou, embora nossas referências fossem mais noventa e ecléticas, já que nossa música não bebe só de metal. Mas conhecer bem o estilo não só nos deu referências do que fazer, mas também nos ajudou a ter clareza sobre o que não fazer. Quando compusemos algo que lembrava muito um grupo específico nós excluímos. Acho que esse espírito de querer fugir do que já foi feito ajudou pelo menos a não ser mais uma cópia dos referentes daquela época.

Tal como Mileth, existem grupos na Galiza como o ITH que recorrem à mitologia para escolher o nome da sua banda. Por que você acha que isso acontece? Existe alguma ligação entre o mitológico e o Metal?

A mitologia está presente no mundo do metal desde suas origens, e embora eu também não ache que seja algo exclusivo do gênero, parece um dogma que um grupo de metal, principalmente se for pagão ou folkie, use a mitologia para escrever letras ou coloque um nome Já é algo particular da cultura deste gênero. Pois bem, no nosso caso não sei avaliar até que ponto é algo que fizemos a princípio sem mais, seguindo aquela inércia temática popularizada pelos grupos pagãos nórdicos e o seu Odinismo, ou se responde a algo mais nosso .

Mitologia é algo que esteve presente na minha vida antes com Iron Maiden com seu Flight of Icarus, com Manowar com seu Thor ou Bathory com Blood fire death, Hammerheart e outros. Ainda sou daqueles que podem afirmar que cresci num mundo onde a Santa Companhia, os Mouros ou os rituais mágicos estavam presentes no quotidiano das pessoas. Então acho que inspirar-se na mitologia se encaixa perfeitamente na música que fazemos tanto pelo seu caráter retrospectivo quanto por ser algo específico do nosso folclore. Ame que seja um mundo tão vasto e rico, que se possa expressar qualquer pensamento ou ideia através dele.

Então sim, é normal que o mitológico e a música possam se conectar, ambos são mundos mágicos, misteriosos, capazes de transmitir emoções que vão além do raciocínio.

Nos últimos tempos, a música tradicional galega vive um boom muito importante, com músicos e grupos que lotam praças e até festivais cantando em galego. Sendo uma banda que inclui instrumentos tradicionais e canta em galego, como é que este ressurgimento está a afectar-vos? Você notou essa mudança nos shows ao vivo?

É difícil avaliar se esta situação nos beneficiou. Na perspetiva atual e depois de termos vivido um 2022 muito bom em termos de festividades e um 2023 muito mais austero, penso que não entramos no movimento desse ressurgimento de que me falas. Pelo menos de uma forma perceptível e na qual possamos permanecer ativos regularmente.

Se chegássemos pontualmente a um circuito que não é habitual para uma banda de metal, sabíamos que estávamos apenas de passagem (principalmente se não editamos novos trabalhos). Tocar em tantos festivais foi um marco para nós e quero pensar que não foi porque cantamos em galego ou porque somos um “grupo peculiar”, já que também tocámos muito em Portugal, por exemplo. Ninguém te dá nada aqui, pelo contrário. O álbum teve boas críticas, o videoclipe nos deu muita visibilidade, ganhar os prêmios NARF nos levou a palcos maiores… Sim, no final tem um pequeno detalhe, um golpe de sorte que faz você de repente se encontrar contextos um pouco bizarros para uma banda de metal extremo, por mais folk que tenhamos. E nesse sentido, esta cena atual, muito menos hermética e com mais presença da música galega, soube ajudar-nos. Embora, pelo contrário, houvesse coisas que as pessoas do nosso círculo habitual não entendiam (apresentações em festivais mais típicos de outros géneros, aparições na televisão galega…), por isso, se começar a mudar de assunto, posso até chegar a conclusão de que poderia até ter nos prejudicado. Mas guiar-se pelo critério do que as pessoas pensam não combina conosco nem com os tempos. Esta vai ser uma grande jornada com a qual vamos crescendo muito como banda, não a nível de popularidade, mas a nível de experiência musical e pessoal.

E é muito bom vivenciar esta ascensão e popularização dos grupos galegos, porque sempre existiram bons grupos, só precisavam de mais espaço e oportunidades. Mas ainda há um longo caminho a percorrer neste sentido, espero que isto continue a crescer, se normalize e deixemos de falar do sucesso da música galega como algo extraordinário.

Catro pregarias no albor da Lúa Morta é seu álbum completo, quase 5 anos depois. Que equilíbrio você faz desse álbum e de sua jornada?

Já há cinco anos? Sim, já choveu! Mas aqui está você, quase cinco anos depois, me perguntando sobre ele. Bom sinal, eu acho. Não é habitual na sociedade de hoje que um primeiro álbum com uma produção bastante humilde ainda possa ter alguma vida depois de um tempo. Logicamente, já não tem tantos ouvintes, mas parece que há pessoas que continuam a procurá-lo e a dizer-nos que o acham fresco e original, apesar das falhas que tem.
Portanto, não creio que possamos obter mais rendimentos dele, e mesmo que eu pessoalmente às vezes pense que poderíamos ter colhido mais e ter um espinho ocasional, também não levamos grandes tapas pelo que é habitual neste mundinho. Gosto de pensar que tudo o que foi abreviado são coisas que ainda estão por vir e tudo o que vivemos graças ao álbum e todo o feedback bom que nos deixou é de ficar mais do que feliz.

O tema De bruma e salitre, realizado por Xaime Miranda, ganhou o prémio de melhor videoclip no Festival de Cinema da Primavera de Vigo. Como esse prêmio influenciou sua carreira?

Foi um dos três prêmios que ele levou. Lembro que nos concursos que participei via muitos rostos desorientados quando a música começava a baixar. Os guturais, os cantores… as pessoas pareciam não entender nada, mas no final a intensidade das imagens era tanta que o público ficava totalmente preso na tela. Para nós foi importante acompanhar a música de uma imagem específica, não só com o videoclip, cuidando também da arte gráfica do álbum, das diferentes edições físicas editadas… Tivemos a sorte de conhecer pessoas fantásticas com quem estes as ideias foram se juntando até chegarmos a um conjunto bem formado em todas as áreas. Além disso, posso afirmar que Xaime e a sua equipa se empenharam fortemente neste trabalho e deram o seu melhor. Mais uma daquelas confluências astrais pelas quais devemos estar muito gratos, sem este trabalho é provável que o registo tivesse passado mais despercebido.

Ninguém pode duvidar do misticismo das suas cartas. Qual é a última mensagem que você deseja enviar?

Pode parecer um paradoxo pelo trabalho que faço com as letras, mas não pretendo que haja uma mensagem final por trás disso. A mensagem é a música, a letra é apenas um elemento contextual, uma moldura para a imagem. A história é obviamente importante e tem conteúdo e filosofia específicos, mas não há mensagem consciente para o ouvinte. Isso não tira o fato de que todos podem se encontrar ou se reconhecer na história, afinal as letras não falam apenas de mitos ou costumes, estão minhas experiências de morte, minha ideia de vida, meus encontros com a natureza e com a paisagem que me rodeia, o sentimento das minhas raízes… há muito existencialismo na construção das histórias. Mas às vezes é algo tão pessoal que não só não tento transmitir, como tento escondê-lo atrás de símbolos, imagens e metáforas que acabam por ser mais um veículo para dotar a música de um aspecto mais emocional. nuances.

Como dissemos antes, quase 5 anos desde o último álbum, vocês estão preparando algo que poderemos ouvir em breve? A pandemia teve alguma coisa a ver com essa espera?

A ideia é começar a trabalhar agora de forma mais intencional, consistente e organizada. Não sei dizer se será um EP ou LP, nem quanto tempo vai demorar. São várias ideias e não sei qual delas iremos desenvolver primeiro. Até agora as circunstâncias não eram favoráveis. A pandemia nos afetou de forma muito negativa por vários motivos, mas já passou tanto tempo que não conseguimos justificar tudo. Há muito caos na vida e isso precisa de tempo e ordem. Compor é a parte da música que pessoalmente mais me traz e me diverte, e essa falta de tempo está ficando um pouco frustrante, sério. Mas estou ansioso para voltar ao trabalho. Há tantas ideias interessantes no ar que preciso começar a moldá-las.

As palismocas fazem parte da coletânea Ferro e Pedra. Homenagem aos Precursores. O que você pode me dizer sobre esse projeto?

Foi uma ideia do Oscar das Profecias Bárbaras, que está sempre muito ativo com iniciativas que ajudam a fazer cena. A proposta era fazer uma cover de uma banda que considerássemos que nos pudesse influenciar ou que fosse de alguma forma significativa para o grupo, que já não estivesse em actividade, que fosse da mesma área e que se enquadrasse tanto quanto possível num género próximo do rock. . Não sei quantas bandas embarcaram no projeto inicialmente, mas no final participaram dez. A ideia era adicionar mais grupos e editá-lo em formato físico, mas hoje, como compilação, você só pode ouvi-lo no YouTube, e em outras plataformas já há algumas músicas carregadas. Mas até onde eu sei, por enquanto é só isso.

No nosso caso, decidimos cobrir o grupo marinho Nordés, que era um grupo folk mas com certas influências rock e que lançou alguns álbuns muito bons em meados dos anos 90. Foi muito educativo entrar em Palismocas, e embora estilisticamente já estava bem perto da gente, foi muito interessante fazer uma música tão rápida e curta.

E por último, algo que me chama a atenção e que sempre que fala de si o faz com o nome e apelido, Dana da Carballeira, Marcos do Relicário… algo muito típico do interior galego, certo?

certo Nas aldeias e vilas galegas, as pessoas e famílias inteiras são mais conhecidas pelo apelido do que pelo próprio nome ou apelido. Pepe, Antonio ou María podem ser qualquer um, mas todos sabem bem quem é Matagatos, Coxo ou Alcapone, para dar exemplos. A maioria desses pseudônimos tinha origem obscura, muitos outros tinham a ver com a profissão ou o local de origem de alguém daquela família. Um dia, quando ainda éramos dupla, estávamos brincando sobre o assunto dos pseudônimos no metal, achamos que seria legal fazer a mesma coisa mas usando o galicianismo e nos referindo a apelidos de família. No final, tornou-se tradição que quem entrasse no grupo tivesse que inventar um apelido, seja real ou, em alguns casos, inventado. É por isso que há meses que não conseguimos encontrar um guitarrista, poucos metaleiros galegos são tão fortes a ponto de se orgulharem de apelidos como O Pirolas.

Muito obrigado!!

Graças a você foi um prazer!

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