A banda portuense Grunt que lançou recentemente o EP “Indiscipline” em 2023, conta já com 20 anos de existência (inicialmente como Fetal Incest) e trazem 3 álbuns de estúdio na sua bagagem. O mais recente EP consiste no seguimento do anterior lançamento “Discipline“, editado pela Larvae Records em 2021, naquilo que aparenta ser uma nova fase para o trio: apresentam elementos mais industriais, punk e crust, uma enorme variedade de sonoridades e passagens, desafiando padrões, regras, convenções e expandindo o mundo do industrial grind. Esta viagem estilística da banda elevou a nossa curiosidade em saber o que poderá vir a seguir.
Grunt
Em entrevista com Grunt:

1- Quais as principais inspirações dos Grunt tanto em termos líricos como em termos de composição instrumental?

Quando as referências são tantas e tão vastas, é um exercício complicado, o de eleger referências literárias que definam inequivocamente as individualidades e correntes que mais nos inspiram. Em termos pessoais, de forma mais ou menos íntima, os autores que mais inspiraram/moldaram a minha estética nestes dois últimos lançamentos, terão sido Charles Baudelaire e Isidore Ducasse. Em termos de estrutura e método cognitivo, neste caso utilizado de forma puramente técnica, digamos que como um manual de criação artística, recorri  ao pensamento exposto por André Breton em “Manifestos do Surrealismo“*.
Musicalmente, são imensos os quadrantes e vertentes que nos seduzem. Vivemos em constante aprendizagem e descoberta musical, agregamos de forma espontânea toda a panóplia de experiências que julgamos pertinentes no contexto de Grunt. Além de uma forte inspiração e tendências ancoradas no Metal/Hard Rock, temos também uma relação estreita com compositores clássicos do Barroco ao  Romantismo de Mahler, Bruckner ou Wagner. Obviamente que sonoridades modernas, mais electrónicas e sintéticas são elementos flagrantes no universo de Grunt e nesse campo somos inspirados pelos grandes ícones do movimento industrial, NIN, Skinny Puppy, Cabaret Voltaire e por aí adiante.

2- Após o lançamento do EP “Indiscipline” em 2023, para quando estão previstas novidades?

Confesso que neste momento ainda nos encontramos em fase de consolidação dos lançamentos anteriores. No actual cenário de escassez e dificuldade em nos mostrarmos ao vivo com a frequência que desejaríamos,
julgamos ser precoce pensar em novos lançamentos sem antes termos mitigado a necessidade de dissecar ao vivo o “Discipline” e o “Indiscipline“. Mesmo que por vezes seja tentador cedermos às rajadas criativas e por mais cruel que seja ignorar o ímpeto selvagem e a vontade de desenhar novos episódios, a verdade é que estes períodos nos concedem a oportunidade para ampliar o domínio técnico dos instrumentos e da composição musical.

3- Qual foi, na vossa opinião, o melhor concerto que apresentaram e porquê?

Dado ser um julgamento que parte de uma perspectiva interna, a resposta poderá ser controversa ou sujeita a más interpretações. Por motivos que pouco interessam agora ser aqui debatidos, por uma razão ou outra, o nosso posicionamento cronológico nas noites tem sido predominantemente o de fecho. Para nós costuma ser um quebra cabeças perceber e antecipar se haverá uma debandada geral antes de subirmos ao palco. Entender se o público irá sucumbir à fadiga ou se teremos argumentos para aprisionar o Interesse das pessoas é quase sempre uma dúvida com a qual temos de conviver durante toda a noite. Poderia aqui mencionar algumas dezenas de concertos de contornos apoteóticos, mas aqueles que mais nos marcaram foram possivelmente os momentos que devido a circunstâncias muito pouco favoráveis acabaram por nos surpreender. Há uns anos atrás tocamos num festival na República Checa, Czech Deathfest. Devido ao trânsito intenso perdi o meu voo. Como os restantes elementos já se encontravam no festival, tivemos de redesenhar tudo numa questão de horas, mudar a slot e tocar a uma hora excessivamente tardia. Após toda a aflição e nervosismo, a simples sensação de finalmente estar em palco com o elenco da banda foi por si só um momento que nunca mais será apagado.
Grunt no Not A Xmas Fest 2023, por Juliano Mattos

4-Qual a motivação para o término (se é que é definitivo) dos Fetal Incest e início deste novo projeto como Grunt?

Os Fetal Incest tiveram início no longínquo ano de 2004, quando terminamos de gravar aquilo que viria a ser o primeiro álbum de Grunt, lançado em 2010, achamos que, por motivos de ordem editorial, seria pertinente mudar a denominação do grupo. Portanto, é importante esclarecer que se trata exatamente da mesma entidade.
Fetal Incest

5- Se tiverem de descrever os vossos conteúdos líricos em apenas 3 palavras, quais seriam?

Pérfido, lamentoso, sombrio.
6- Qual a origem dos temas que aborda (fetiches macabros, sodomia, depravação sexual, entre outros)?
Creio que o nosso foco atual se posiciona num momento algo diferente. Embora a imoralidade que manchou e lançou a peçonha sobre Sodoma e Gomorra nos continue a influenciar na sua vertente mais lasciva, acho que conseguimos incutir mais variedade e sobretudo uma linhagem poética e semântica que abarcam temas menos rudimentares. Em relação às origens, podem assumir diversas gêneses – um episódio que se passou numa noite algures há dez anos atrás numa pensão rafeira na Batalha – Um momento íntimo de miséria psicológica, introspecção e interrogação ou simplesmente a vaga de inspiração veiculada pela escuta de “La Grande Messe Des Morts” de Hector Berlioz ou outro requiem igualmente impactante. Sem rodeios metafóricos ou romantismos forçados em busca da validação alheia.
7- Como funciona o processo de composição musical dentro da banda?
Não é que seja um método absolutamente standard e ortodoxo, mas na maioria dos temas eu envio versões de músicas já produzidas, bastante perto do resultado final. Se existem contribuições de outros elementos, então faço uma colaboração com outras ideias para consolidar vários trechos de forma orgânica e coerente no contexto da banda.
8- Observando a realidade do metal nacional, que bandas consideram apresentar enorme potencial e estar em grande ascensão? E porquê?
No cenário atual só crescem aqueles que além de uma sonoridade interessante, acumularem uma presença virtual pujante e avassaladora, um ritmo editorial frequente e uma relação íntima com o público e seguidores. Das bandas que conheço e que  mais acompanho, acho que os Toxikull têm um elenco estável, uma visão determinada e uma ambição desmedida. Eventualmente existirão muitas outras bandas em rota de ascensão, mas Toxikull são quem mais me tem seduzido.
Toxikull
9-Relativamente ao vosso terceiro álbum “Discipline” lançado em 2021, este apresenta alguns elementos que podem ser considerados uma nova fase para Grunt. Contém elementos mais industriais, punk e crust, apresentam ainda alguns campos que podem ser considerados mais tradicionais. Isto é também visível no EP “Indiscipline” que apresenta uma grande variedade de sonoridades. Parece uma verdadeira experiência que desafia convenções e expande o mundo do industrial/grind. Tendo isto em conta, é esse o caminho que pensam seguir daqui para a frente? Ou poderemos contar com ainda mais surpresas?
Álbum “Discipline” e EP “Indiscipline”, de Grunt
Eu sempre tive alguma dificuldade em manter-me fiel a linhas sonoras mono cromáticas, baseadas em regras excessivamente estanques. A minha motivação carece muito da realização que é a materialização de ideias que me impressionem. Portanto, para cultivar o ímpeto criativo, é crucial incutir nas músicas a versatilidade e omnipresença do fardo artístico de cada momento.
De resto, é um ecletismo que partilho tanto com o J. Sousa como com o Zé Pedro, que também são doutrinados segundo um catálogo musical vastíssimo. Desta forma, creio que a sucessão discográfica irá manter as características de imprevisibilidade.
10-  Sendo vocês uma banda que se diversificou muito nos últimos trabalhos, têm algum receio de ser mal recebido pelo público? Ou veem nos Grunt a possibilidade de expressar toda a vossa criatividade sem qualquer receio?
Não podemos nem devemos agradar a todos. Os tempos atuais relegaram os artistas para um epicentro de escrutínio absurdo, e isso colocou-nos no lugar do réu, perante um júri sempre descontente por uma coisa ou por outra, isso nunca poderemos remediar. Porque não gostam da nossa presença nas redes sociais, não gostam da estética, uma ex-namorada ocasional arrastou a asa a um dos elementos, não esboçamos sorrisos com frequência ou porque simplesmente existimos. Portanto, não nos podemos penalizar também com o receio ou impacto que o molde de terceiros teriam na nossa criação.

Agradecimentos à banda pela possibilidade de nos concederem esta entrevista e aguardamos pela possibilidade de ver estas duas últimas obras serem apresentadas nos palcos!

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